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Data de atualização: 2020/09/03
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O estabelecimento dos jesuítas na China é contemporâneo do nascimento da ciência moderna na Europa e do período final da Dinastia Ming, época de decadência dinástica, na qual floresciam as sociedades e as academias culturais. Enquanto no Japão a acção missionária dependia grandemente do comércio marítimo Portugal/Japão, na China a situação era diferente. O progresso de evangelização deve-se às práticas de aculturação dos jesuítas, que estudaram a língua e os costumes chineses. Valendo-se dos seus conhecimentos de Matemática, Mecânica, Astronomia e outras ciências ocidentais, souberam captar o interesse das classes letradas e dos imperadores Ming. A Companhia de Jesus foi a primeira ordem religiosa a fixar-se no entreposto de Macau. Em 1563 aportam aqui os Padres Francisco Pérez e Manuel Teixeira, acompanhados do Irmão André Pinto. Passados cerca de dois anos tinham já construído uma pequena residência, a que acrescentaram uma escola em 1572. Com a chegada a Macau, em 1572, do Padre Alexandre Valignano, Visitador para as missões do Médio e Extremo Oriente, a residência jesuíta conhece uma grande transformação, que culmina em 1594 com a fundação de um colégio universitário. Macau tornarase fundamental para o apoio às missões da China e do Japão, pois constituía um ponto de formação do clero e dos novos membros da Ordem e um local privilegiado para a aprendizagem da língua, da cultura e dos costumes chineses. Macau era assim não só o centro missionário mais importante de propagação do Cristianismo no Extremo Oriente mas igualmente um pólo científico, artístico e cultural. A igreja que existia junto ao local das actuais ruínas da Igreja do Colégio de S. Paulo, que fora reconstruída em 1582, incendiou- se em 1601, ficando totalmente destruída, assim como grande parte do colégio. A carta ânua de 1602, para o Geral da Companhia de Jesus, o Padre Claudio Acquaviva, relata o incêndio havido no ano anterior e a solidariedade que esta tragédia gerou em toda a população de Macau, permitindo a rápida reconstrução da igreja e do colégio. Vivia-se o apogeu do comércio com o Japão e a florescente comunidade prometeu dar “tres mil escudos se Deus trouxesse a porto seguro o navio que se esperava do Japão”. A nova igreja, que foi construída graças ao mecenato local, como atesta a pedra da fundação que se encontra na base da fachada (VIRGINI MAGNAE MATRI CIVITAS MACAENSIS LIBENS POSSVIT AN. 1602), estava já concluída no Natal de 1603, se bem que a referida fachada tenha sido posteriormente construída até cerca de 1637 ou mesmo 1640. Tendo como orago Nossa Senhora da Assunção, era a igreja do Colégio da Madre de Deus. Quanto à fachada que hoje permanece em Macau, é o que resta desta igreja, depois de sofrer novo violento incêndio, em 1835. O Padre Carlo Spinola (n. Génova 1564, m. Nagasáqui 1622), que chegara a Macau pouco antes do incêndio de 1601, foi o autor do projecto desta nova igreja. Nesse tempo estavam em Macau cerca de 60 religiosos da Companhia, entre padres e irmãos, mas, o facto deste antigo professor de Matemática ter sido encarregue do desenho da nova igreja, apesar de recém-chegado a Macau, e de passagem para a missão do Japão, está de acordo com a tradição da ordem, que encarregava os matemáticos de se ocuparem do traçado ou dos pareceres sobre novas construções da Companhia de Jesus (em Roma era o professor de Matemática do Colégio Romano que ocupava o cargo de “consiliarius aedificiorum” junto do Geral). Carlo Spinola ficou cerca de um ano em Macau, o que lhe fez dispor de tempo suficiente para a execução dos planos da nova igreja, devendo-se mesmo admitir que acompanhou o início dos trabalhos, pois, conforme a cópia de um documento que existiu nos Arquivos do Colégio de S. Paulo em Macau e que se encontra incluído na colecção Jesuítas na Ásia, na Biblioteca da Ajuda, em Lisboa (Cod. 49-IV-66, fls. 85), declara-se que a cidade de Macau “deu para a fabrica desta igreja nova quando se fazia no anno de mil seiscentos e hum ao Padre Valentim de Carvalho dous mil e quinhentos taeis de prata da seda”. A igreja de S. Paulo, ou de Nossa Senhora da Assunção, foi edificada segundo planta rectangular, tendo três naves, separadas por grossas colunas de madeira, coro alto com três janelas na fachada sobre o alinhamento das três portas da fachada, uma capela-mor de planta rectangular, separada do corpo da igreja por um grande arco. Este teria sido o primeiro arco de pedra que se construiu em Macau. Além do altar-mor, tinha também um altar do Espírito Santo e uma capela de Jesus, do lado do Evangelho, bem como o altar de S. Miguel Arcanjo e a capela das Onze Mil Virgens, do lado da Epístola. O seu interior, segundo descrições do século XVII, era ricamente trabalhado, com um tecto em madeira esculpida em relevo, ao modo chinês, e toda dourada interiormente e com pinturas admiráveis. O seu frontispício, em granito, terá sido construído posteriormente à sua inauguração e duraria até cerca de 1636 ou 1640, ano em que é interrompido o comércio com o Japão e Macau entra em declínio. Em 1623, Alexandre Rhodes indica que a fachada já estaria pronta, afirmando: “le frontispice en est admirable”. A fachada da Igreja de S. Paulo encontra-se dividida em quatro ordens de colunas justapostas ao paramento da parede, sendo coroadas por um frontão com 23 metros de largura e 24 metros de altura e um conjunto de pináculos que acentuam as linhas verticais das colunas. A sua estrutura encontra-se subordinada aos cânones da arquitectura europeia, à romana, na sua estrutura, hierarquizando uma simbólica religiosa e apologética, exprimindo-se nas matrizes culturais europeia e oriental. A primeira ordem tem as portas do templo: a maior, ao centro, a que se sobrepõe a inscrição “Mater Dei” (tratava-se da igreja do Colégio da Madre de Deus); e as laterais, em que os monogramas da Companhia de Jesus, em baixo relevo, estão montados acima dos lintéis. As portas, intercaladas num ritmo de dez colunas jónicas, dispostas simetricamente e agrupadas em duas/três/três/duas, têm fuste liso e capitéis de volutas bem proporcionadas, com ábacos decorados com óvulos e dardos. Na segunda ordem, situada ao nível do coro, três aberturas das janelas rectangulares apresentam-se alinhadas com as portas da primeira ordem, e sobre aquelas desenvolvem-se frisos com motivos florais. Quatro nichos com estátuas em bronze ladeiam ainda as janelas. À esquerda da janela central, encontra-se a estátua de Santo Inácio de Loyola (fundador da Companhia de Jesus) e nos dois painéis ao lado da janela central, entre duas colunas, está esculpida uma palmeira, figuração da ressurreição, do martírio e simbólica que se liga à própria Companhia de Jesus, então inflamada pelos seus planos de expansão. Do lado simétrico, planta-se a estátua de S. Francisco Xavier (o grande apóstolo das Índias). Nos nichos das extremidades figuram os beatos S. Francisco de Borja e Luís Gonzaga. Estas estátuas teriam sido provavelmente fundidas em Macau, pois aqui existiu uma fundição de canhões, dirigida por Manuel Tavares Bocarro, nascido na Índia, e que aprendera a arte da fundição com seu pai. A terceira ordem é o apogeu escultórico da fachada. Seis colunas de ordem compósita, ladeadas por dois obeliscos pris máticos encimados por esferas, estão dispostas simetricamente em relação ao nicho central, que contém a imagem em bronze de Nossa Senhora da Assunção, padroeira desta igreja e do colégio. Completam a decoração do nicho central um conjunto de seis anjos esculpidos no granito, em baixo relevo. Seguram no turíbulo os dois anjos inferiores, enquanto os dois acima tocam trombeta e os dois restantes, no conjunto superior, estão ajoelhados a orar. Nos painéis entre as colunas, do lado esquerdo, vê-se a Fonte da Vida, representando a imortalidade e a sabedoria e, do lado oposto, o cipreste, símbolo da Redenção, igualmente sinal de imortalidade para os chineses e para os japoneses que usavam a sua madeira nos ritos xintoístas, representando a incorruptibilidade e a pureza. Abaixo destas duas figuras está um candelabro de sete braços, significando a luz de Cristo e a Cruz. À esquerda observa- se ainda uma nau, referência à Igreja e também à nau do trato, de que dependia o comércio com o Japão e a própria sobrevivência e riqueza do entreposto de Macau, admitindo-se ainda a hipótese de este painel estar relacionado com a Confraria dos Navegantes, que aqui tinham a sua sede. Acima do navio, destacase a figura em relevo de Nossa Senhora, protectora dos navegantes e da igreja, navegando num mar revolto, representado curiosamente por um peixe com cabeça humanóide. No painel simétrico, a Virgem esmaga a hidra de sete cabeças, ou o Dragão, segundo a inscrição chinesa. Este monstro, de aparência bizarra, nada tem da representação clássica dum dragão chinês, e além da figura em si, faltam-lhe os atributos que a mitologia chinesa habitualmente representa. Ignorância dos factos culturais ou intencional refutação da idolatria, esta inscrição chinesa permanece um mistério quanto aos seus verdadeiros pressupostos. Sobre os elementos inscritos nas volutas, são de destacar os exemplares escultóricos admiráveis que saem fora dos cânones das construções pós-tridentinas e dos próprios usos na construção dos templos da Companhia de Jesus. À esquerda, uma figura na horizontal tem a inscrição em caracteres chineses: “O demónio incita o homem a praticar o mal”. No lado simétrico, um esqueleto, também na horizontal e igualmente com uma inscrição em caracteres chineses: “Lembra-te da morte e não pecarás”. Estas duas figuras aparentam terem sido executadas por artistas japoneses, daí a reprodução de ideogramas chineses, sem a caligrafia, sem a expressão e o estilo que se encontram em monumentos da arte chinesa do mesmo período. Às referidas figuras, juntam- se outros elementos decorativos, a coroa de Cristo, a porta do céu, até o retrato de um homem, provavelmente o Padre Alessandro Valignano, o grande estratega do desenvolvimento das missões jesuítas no Extremo Oriente. Na quarta ordem, Jesus é a imagem central. Fundida em bronze, localiza-se num nicho ornamentado com rosas e flores-de-lis e encontra- se ladeada pelos símbolos do flagelo: a esponja, a bandeira do império romano, a coroa de espinhos, o chicote, o martelo, os cravos, a lança, o azorrague e a tenaz. Temos ainda, de cada lado deste conjunto, dois anjos que estão entre as colunas: um com uma cruz e o outro com o poste da flagelação. A fachada da Igreja de S. Paulo é coroada por um frontão, com uma cruz de ferro no acrotério. Ao centro, uma pomba em bronze, o Espírito Santo, com o Sol e a Lua em baixo relevo, significando, respectivamente, Deus e a Companhia de Jesus que reflecte a luz do Sol-Cristo e nasce iluminada pelo filho de Deus. É na terceira e na quarta ordem que encontramos o discurso plástico mais dirigido aos chineses, que transforma também esta fachada/ retábulo num instrumento e numa peça da política de adaptação e sedução que os missionários jesuítas traçaram para a Ásia, em oposição ao método missionário da tábua rasa que até então vinha sendo usado em África e na América: o ritmo produzido pelo conjunto de colunas adossadas à fachada, os elementos iconográficos e decorativos utilizados, com recurso, em simultâneo, a técnicas e estilos. A Igreja de S. Paulo e particularmente a sua fachada reflectem de maneira particular o modo como os jesuítas encararam a propagação do Cristianismo no Oriente e a forma como as artes visuais, em particular, serviam essa mesma política de adaptação missionária, a uma civilização e a uma cultura que religiosamente se encontrava dividida em três grandes correntes: o Confucionismo, o Taoísmo e o Budismo, que sincreticamente conviviam e acharam forma de aceitar, ainda que de forma diferente, uma nova religião ocidental. Os imperadores chineses ora aceitavam esta, ora a repudiavam, e, tendo consciência desse jogo, os jesuítas traçaram essa empresa única que foi a introdução do Cristianismo na China, da qual a Igreja de S. Paulo de Macau é uma peça fundamental para a sua compreensão e um testemunho maior. [G.C.] Bibliografia: As Ruínas de S. Paulo, catálogo, (Lisboa, 1994); COUCEIRO, Gonçalo, A Igreja de S. Paulo de Macau, (Lisboa, 1997); TEIXEIRA, Padre Manuel, “The Church of St. Paul’s in Macau”, in Studia, n°s. 41-42, (Lisboa, 1979).
Igreja de S. Paulo
Em 1602, início da construção da nova Igreja de S. Paulo, em Macau, conforme inscrição exterior na base de uma das paredes laterais, logo a seguir à fachada, do lado do Evangelho. A construção decorre até 1637 ou 1640-1644. (Cfr. Barreto, Luís Filipe - Macau: Poder e Saber. Séculos XVI e XVIII. Ed. Presença, Lisboa, 1.ª ed. 2006, p. 289). [Numa aldeia de que ainda há vestígios, na data em que escrevemos, acantonavam-se os artífices japoneses que trabalhavam nas obras].
Início da construção da nova Igreja de S. Paulo
Tempo: | Após o estabelecimento da RPC em 1949 até 1999 |
Década 1960 | |
Local: | Península de Macau-Freguesia de Santo António |
Ruínas de S. Paulo | |
Palavra-chave: | Igreja |
Arquitectura religiosa |
Fonte: | Arquivo de Macau, documento n.º MNL.02.15.F |
Entidade de coleção: | Arquivo de Macau |
Fornecedor da digitalização: | Arquivo de Macau |
Tipo: | Imagem |
Fotografia | |
Vista de cima | |
Preto e branco | |
Formato das informações digitais: | TIF, 2000x1577, 3.01MB |
Identificador: | p0004111 |
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