Informações relevantes
Data de atualização: 2020/09/03
Surgimento e mudança da Ribeira Lin Kai de San Kio
Macau e a Rota da Seda: “Macau nos Mapas Antigos” Série de Conhecimentos (I)
Escravo Negro de Macau que Podia Viver no Fundo da Água
Que tipo de país é a China ? O que disseram os primeiros portugueses aqui chegados sobre a China, 1515
Oficialmente, a Maçonaria em Macau iniciou regularmente as suas actividades em 1907, com a instalação de um triângulo, por iniciativa da loja Pro Veritate, de Coimbra. Dois anos depois (1909), esse triângulo daria origem à loja Luís de Camões II que se manteria em actividade até 1914. Nesse ano deixa de funcionar para surgir de novo em actividade (reerguer colunas) no ano seguinte, mantendo-se até 1930, ou seja, até à data em que a Maçonaria é ilegalizada em Portugal, estendendo-se essa ilegalização a todo o então chamado ultramar portu-guês, que incluía Macau. Depois disso a Maçonaria ressurgiria de um forma regular em Macau em 1985. Diz-se que a loja Luís de Camões II possuiu, pelo menos durante alguns anos jurisdição sobre a Grande Loja de Manila, nas Filipinas. Todavia, a existência regular da Maçonaria em Macau antecede, em mais de um século, a notícia oficial existente nos arquivos do Grande Oriente Lusitano Unido. De facto, para além da passagem de maçons ilustres da história, com destaque para o poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage, sabe-se que, ainda no século XVIII, existiu em Macau uma loja denominada Amity. Esta loja, pertencente à English Contitution Lodje, manteve-se em funcionamento até cerca de 1812, sendo então nessa data apagada por não cumprir as suas obrigações pecuniárias para com a grande loja a que pertencia. Note-se que a Amity agregaria muito provavelmente elementos da comunidade britânica que viviam em Macau, então território que possuía o monopólio do comércio com a China. Não se sabe se dela fariam parte portugueses. Depois disso surgem apenas referências à existência de correntes de pensamento maçónico em Macau, nomeadamente nos anos subsequentes à revolução liberal de 1820. Nesse período, em várias homilias o bispo da diocese de Macau Frei Francisco de Nossa Senhora da Luz Chacim acusava “os pedreiros livres” de estarem por trás dos tumultos que marcaram o Território, durante os anos de 1821-1822, entre liberais e absolutistas. De facto, sabe-se que nesse tempo pelo menos o governador de Macau, José Osório de Castro Cabral e Albuquerque era maçon, vindo posteriormente a atingir até, em Portugal, um alto grau iniciático. Segundo algumas informações não confirmadas, em 1872 teria surgido a primeira loja maçónica de obediência portuguesa denominada, tal como a segunda, Luís de Camões. Porém, nada se conhece sobre as circunstâncias da sua fundação nem sobre o modo e data em que cessou actividades. Do mesmo modo, antecedendo a instalação em 1909 da Loja Luís de Camões II teria surgido antes e mantido actividade regular, paralelamente àquela, a loja Luz e Vida, que se diz ter sido fundada por um sacerdote jesuíta e nada mais. Ao longo do século XIX várias outras lojas de obediência estrangeira existiram em Macau, nomeadamente uma que obedecia à Grande Loja do Alabama (Estados Unidos da América). A Maçonaria inglesa de Hong Kong possuiu – e possui ainda hoje – fortes li gações a Macau, reunindo regularmente no Território, por obrigação constitucional. – I. Figuras Maçónicas de Macau. Entre outras figuras de destaque da Maçonaria que estiveram em Macau contam-se, nomeadamente: 1) – Tenente general José Osório de Castro Cabral e Albuquerque. Bacharel em matemática. Governador de Macau (1817-1822). Autor. Redactor do periódico A Lei e a Ordem (1857). 2) – Vice-Almirante Isidoro Francisco Guimarães (1808-1883). 1.º Visconde da Praia Grande (Macau) e governador do Território (1851-1863). Ministro plenipotenciário de Portugal no Sião, Japão e China. Ministro da Marinha (1865-1868). Ministro da Guerra (1865-1866). Deputado e Par do Reino. 3) – Vice-almirante Custódio Miguel de Borja (1849-1911). Governador de Macau (1890-1894). Segundo e último grão mestre do Grande Oriente de Portugal (dissidência do Grande Oriente Lusitano Unidos). Foi governador de S. Tomé e Príncipe (1884-1886). Como diplomata foi enviado especial e ministro plenipotenciário de Portugal no Japão, China e Tailândia. 4) – Francisco Gonçalves Velhinho (1882-1943). Oficial do exército. Deputado por Macau, diplomata e professor. Autor de diversas obras sobre finanças, economia e colonialismo. Ministro do Comércio (1920). Ministro das Finanças (1923). 5) – José Carlos da Maia (1878-1921). Papel de relevo na revolução republicana de 5 de Outubro de 1910. Governador de Macau (1914-1917).Ministro da Marinha (1918). Ministro das Colónias (1919). 6) – Camilo de Almeida Pessanha (1867-1926). Advogado, professor e poeta. Um dos introdutores do simbolismo, em Portugal. [J.V.B.G.] Bibliografia: MACKEY, Albert, The History of Freemasonry, (Nova Iorque, 1996); MARQUES, A. H. de Oliveira, Dicionário de Maçonaria Portuguesa, 2 vols., (Lisboa, 1986); MARQUES, A. H. de Oliveira, História da Maçonaria em Portugal, (Lisboa, 1990).
MAÇONARIA EM MACAU
Procurando organizar uma nova resposta religiosa aos profundos problemas sociais que marcavam Turim, uma das maiores cidades recentemente industrializadas do Norte de Itália, S. Giovanni (João) Bosco (1815-1888) orientou a fundação de uma instituição cristã dirigida especialmente à juventude que, afastada do mundo do trabalho, se encontrava perdida entre orfandade e delinquência: em 18 de Dezembro de 1859 erguia-se oficialmente a grande obra salesiana, abrigada à protecção patronal de S. Francisco de Sales. Uma aventura come çada ainda no ano da ordenação do Padre João Bosco, em 1841, quando o jovem sacerdote mobiliza a sua actividade pastoral para o apoio e educação de crianças e jovens abandonados, convidando igualmente os que se encontravam encarcerados a frequentarem, após a sua libertação, o seu Oratório, como designava o espaço social e religioso em que promovia a educação destes grupos marginalizados. Tratava-se de uma instituição educativa, fixada desde 1846 em Valdocco, na cidade de Turim, combinando zonas lúdicas com oficinas, refeitórios e dormitórios, enquadrados por uma igreja com assumida vocação catequética. Reunindo em torno desta renovada obra de apoio e educação católicos vários outros sacerdotes, educadores e mestres oficinais, o Padre João Bosco começa a recrutar os primeiros dezassete salesianos entre os jovens educados no seu Oratório, institucionalizando a “Pia Sociedade de S. Francisco de Sales”, rapidamente popularizada através desse reconhecimento simples como “irmãos salesianos”. Ficámos a dever também à inteligência social e religiosa de S. João Bosco a configuração orgânica fraternal das primeiras gerações de salesianos, partilhando e dirigindo empenhadamente a sua experiência quase familiar, escrevendo também o primeiro texto regral do novo instituto e orientando a difusão da obra tanto na Europa como nas Américas. À data da sua morte, em 31 de Janeiro de 1888, as comunidades salesianas tinham já atingido o formidável número de 773, reunindo 276 noviços em 57 casas espalhadas por seis províncias europeias e americanas. Nesta altura, o carisma religioso e as actividades sociais do instituto dedicado a S. Francisco de Sales encontravam-se definidos em torno de três missões fundamentais: uma dirigindo- se para a formação católica e profissional dos jovens indigentes e abandonados; outra de cariz mais pastoral procurava evangelizar os meios populares mais carenciados; por fim, multiplicava-se uma obra missionária de evangelização de sociedades e territórios coloniais, mobilizando os salesianos para a educação das juventudes pobres dos espaços não-europeus. Esta trifuncionalidade missionária tem vindo a concretizar-se com continuidade através da abertura de obras educativas, das escolas às associações juvenis, através do desenvolvimento de obras apostólicas de comunicação social, das edições à radiofonia, e através de obras missionárias espalhando diversas actividades pastorais e sociais pelo mundo, multiplicando espaços salesianos fundados “sobre a caridade pastoral e a bondade”, como ensinava S. João Bosco no seu muito lido tratado pedagógico intitulado Método Preventivo, divulgado em 1877. A comunicação entre Macau e a obra salesiana começa ainda a organizar-se na década de 1890, quando o jesuíta italiano Francesco Xavier Rondina depois de ter dirigido entre 1862 e 1871 o colégio macaense de S. José, retornou a Itália após estada em terras brasileiras, descobrindo a nova obra educativa dedicada a S. Francisco de Sales. Recordando a sua experiência de ensino entre grupos juvenis macaenses, o sacerdote jesuíta promoveu contactos epistolares tão interessados como recorrentes entre responsáveis salesianos italianos e o episcopado de Macau. Tanto D. António Joaquim Medeiros (1884-1897) como D. José Manuel de Carvalho (1897-1902) alimentaram este diálogo epistolar, mas seria necessário esperar o episcopado de D. João Paulino Azevedo (1902-1918) com a sua inteligente dedicação às populações sínicas de Macau para se assistir à instalação dos salesianos no território, começando humildemente em 1906 pela direcção do Orfanato da Imaculada Conceição vocacionado para a assistência e refúgio de crianças chinesas abandonadas. A curiosidade epistolar longamente mantida com os bispos de Macau não se concretizou imediatamente na instalação da obra salesiana porque as perspectivas e estratégias religiosas em presença não se mostravam na viragem do século totalmente concordantes. Com efeito, a vocação missionária salesiana parece ter alimentado ainda nos tempos fundacionais do Padre João Bosco um indisfarçado interesse pelas missões em território da China, horizonte que interrogava as próprias vocações e estratégias religiosas do episcopado de Macau, convocando essa longa história legada por um “padroado oriental” em que a evangelização da China comparecia como privilégio da coroa e da cruz portuguesas. Existia mesmo, desde meados do século XVIII, uma instituição duplamente educacional e missionária dirigida para o labor evangélico católico no grande império do meio: precisamente esse colégio de S. José de onde havia saído o Padre Francesco Rondina. Fundado inicialmente como uma casa destinada a preparar missionários para a China, o seminário viria a ser inaugurado em 1758 para se ver envolvido, muito rapidamente, quatro anos depois, nas consequências da política anti-jesuítica do Marquês de Pombal. Depois de dificuldades várias, o seminário viria a ser entregue, em 1800, aos lazaristas da Congregação da Missão, assegurando a sua orientação educativa e religiosa até 1854. Reaberto em 1857, anexando por ordem do governador a chamada Escola Pública, o Se minário volta a ser entregue aos jesuítas pelo Bispo D. António Joaquim de Medeiros, em 17 de Março de 1890, institucionalizando a qualificada experiência de alguns professores da Companhia que aí haviam ensinado nas décadas anteriores. Com a implantação da República em Portugal, a cinco de Outubro de 1910, bastaram apenas três rápidos dias para que o novo poder editasse um decreto oficial ordenando a expulsão dos Jesuítas com evidentes reflexos nas suas posições ultramarinas. É neste contexto de sucessivas alterações políticas e de quase permanente reorganização das estruturas educativas das instituições eclesiásticas e religiosas de Macau que, desde 13 de Fevereiro de 1906, se concretiza a fixação de seis salesianos enviados directamente de Turim, reunindo aos sacerdotes Luigi Versiglia, Giovanni Fergnani e Ludovice Olive outros três irmãos leigos mestres de oficina, Felice Boresio, Gaudencio Rota e Luigi Carmagnala. Dirigia claramente este primeiro grupo fundador o Padre Luigi Versiglia (1873-1930) que, após abrir em Macau a primeira obra salesiana, ergueu na China a missão de Shiu Chow, foi sagrado em 1920 seu primeiro Bispo para ser, dez anos depois, martirizado na região em circunstâncias de larga ressonância polémica. O pequeno Orfanato dedicado à Imaculada Conceição transformou-se rapidamente numa grande casa de ensino, acolhimento e missionação, escorando a “casa-mãe” dos salesianos na sua irradiação religiosa pelo Extremo-Oriente. A seguir, os salesianos dirigem novamente para a juventude marginalizada chinesa a criação do Colégio de Yuet-Wah (Yuehua Zhongxue 粵華中學), acompanhado pela construção de outras obras de diferentes espacializações sociais e religiosas, da missão de S. Francisco Xavier ao trabalho das leprosarias, passando pela edificação da escola de D. Luigi (Luís) Versiglia ou pela publicação a partir de oficinas próprias do jornal Nun’Álvares, distribuído entre 1921 e 1923. Em 1950, a implantação religiosa e o prestígio social local dos irmãos salesianos amplia-se ainda mais com a inauguração do Colégio de Dom Bosco, especialmente dirigido para a educação de filhos e descendentes de portugueses, concretizando um projecto de educação em língua portuguesa que se mostraria fundamental na formação de várias camadas de jovens que alimentaram as administrações, burocracias e igrejas coloniais no mundo asiático, de Macau a Timor. Neste período, dominava a ligação progressivamente firmada entre as casas salesianas de Portugal e as suas congéneres nas diferentes expressões geográficas da sua presença colonial, vendo-se até o novo Colégio dedicado a Dom Bosco ser entregue à direcção canónica da Província Portuguesa Salesiana, contrastando com as outras obras sob a dependência da Província chinesa sediada em Hong Kong. O colégio haveria de se transformar também num centro permanente de formação do clero do Extremo Oriente, responsabilizando-se especialmente pela educação de muitos dos religiosos em missão e trabalho eclesiástico em Timor Leste, cujo paradigma é essa figura fundamental da cultura e igreja timorenses, D. Carlos Filipe Ximenes Belo, laureado com esse celebrado Prémio Nobel da Paz que, desde 1996, tanto concorreu para firmar o caminho da independência daquele que é actualmente o mais jovem país do século XXI. A dispersão provincial entre as obras salesianas de Macau haveria, mais recentemente, de ser definitivamente estabilizada com o regresso de Macau à soberania da República Popular da China, apresentando agora as suas diferentes actividades no território desta região administrativa especial três instituições que continuam a oferecer relevantes serviços sociais e religiosos que actualizam a obra erguida em Turim por S. João Bosco: a escola de D. Luigi (Luís) Versiglia, com a sua formação primária e técnica; o colégio Yuet Wah (Yuehua Zhongxue 粵華中學) com a sua educação elementar, secundária e centro de juventude; por fim, o Instituto Salesiano desenvolvendo igualmente ensino primário, educação tecnológica e centro de apoio juvenil. [I.C.S.] Bibliografia: CARMO, António, A Igreja Católica na China e em Macau no Contexto do Sudeste Asiático. Que Futuro? , (Macau, 1997); KIRSCNHER, Carlos António, Dom Bosco e a China. Contributo para a História dos Salesianos, (Macau, 1970); RAMALHO, Padre João de Deus, “Pastor Bonus: Sua Exa. o Sr. Bispo D. Luís Versiglia Martirizado com o seu Companheiro P. Caravário por Malfeitores Chinezes”, in Ecos da Missão de Shiu-Hing, ano 6, n.º 64, (Macau, Abr. 1930), p. 51-56; RAMALHO, Padre João de Deus, “Pastor Bonus: Sua Exa. o Sr. Bispo D. Luís Versiglia Martirizado com o seu Companheiro P. Caravário por Malfeitores Chinezes”, in Ecos da Missão de Shiu- Hing, ano 6, n°s. 65-66, (Macau, Maio/Jun. 1930), p. 67-71, ; SILVA, Beatriz Basto da, Cronologia da História de Macau, 5 vols., (Macau, 1992-1998); SOARES, José Caetano, Macau e a Assistência. Panorama Médico-social. (Lisboa, 1950); TEIXEIRA, Padre Manuel, Macau e a sua Diocese, 16 vols., (Macau, 1940-1979).
SALESIANOS de Dom Bosco
Nome popular pelo qual foram designados os sacerdotes seculares, ou pertencentes a qualquer ordem religiosa que, no Oriente, tinham como principal missão superintender nas conversões dos indígenas, protegendo os seus interesses morais e materiais, instruindo-os nos princípios da fé cristã, acompanhando-os na sua educação e corrigindo-os quando fosse caso disso. Segundo alguns autores, esta designação pode ter uma origem navarro-aragonesa, pois, nessa região o magistrado responsável pelos órfãos (o correspondente ao juiz dos órfãos dos concelhos portugueses) era designado por “padre de huerfanos”. Esta instituição aparece documentada, pela primeira vez, ainda de forma informal, em Goa, em 1537, quando Rui Barbudo “em nome e como administrador de todos os cristãos da terra” apresentou à Câmara de Goa uma petição. Oficialmente, o cargo de “Pai dos Cristãos” terá sido instituído em 1541, como um dos instrumentos criados pelo Estado português (a par, por exemplo, da Inquisição, criada em 1560) para dar continuidade e reforçar uma nova atitude expansionista de carácter mais autoritário e centralizado, na qual a afirmação do poder político e a expansão religiosa aparecem associadas e como faces de uma mesma moeda, e que veio quebrar a anterior, politicamente menos centralizada e religiosamente mais tolerante. Apesar da sua ligação à Igreja e do cargo ter sido sobretudo desempenhado por religiosos (entre 1557 e a expulsão dos Jesuítas, em 1759, o cargo foi desempenhado, quase sempre, por religiosos desta Ordem), tratava-se de uma instituição laica e do Estado tendo o título passado, por provisão do vice-rei, a constituir um cargo oficial, com “soldo e vencimento” (o ordenado estabelecido, em inícios doséculo XVII, rodava os 60.000 réis anuais), tendo o “Paidos Cristãos” o dever de julgar as causas cíveis “até à quantia de cinquenta xerafins”, e as causas crimes emque “haja injúrias verbais e pancadas que não cheguem a tirar sangue”. O extenso âmbito das responsabilidades e jurisdição do cargo levou à instituição de um “Pai dos Cristãos” em cada uma das cidades ou fortalezas-feitorias do império português do oriente como Baçaim, Taná, Chaúl, Damão, Goa, Cochim, Ceilão, Ormuz, Malaca e Macau. Para além da grande influência que o“Pai dos Cristãos” tinha sobre toda a estrutura religiosa do Oriente, este cargo permitia ainda receber somas avultadas, pois a sua presença ou autorização do titular deste cargo era necessária em todos os actos do culto, e nomeadamente, nos enterramentos, ofícios de defuntos e nos inventários dos bens dos finados. Dele dependia ainda a concessão de inúmeros cargos aos “cristãos da terra” como é bem claro numa provisão de 1619 naqual se afirma: “[…]que os ofícios que se costumam na Índia a dar aos cristãos da terra, se provejam precedendo informação do Pai dos cristãos (…)”. Até hoje conhecem-se apenas dois manuais do Pai dos Cristãos, procedentes dos Jesuítas de Goa que foram continuados, depois da expulsão destes dos territórios portugueses, por sacerdotes seculares e de outras ordens. Segundo a edição crítica anotada de José Wicki S.J. (1969), a maior parte de um desses manuais, com o título, Provisões a favor da Cristandade (Livro do Pai dos Cristãos), terá sido escrita cerca de 1670, ou um pouco mais tarde, conjunto ao qual foram sendo acrescentados outros textos, sendo o último de 1821. O outro texto, denominado Leis a favor da Cristandade, é menos extenso. Ambos parecem ser cópia do mesmo manuscrito original.Este texto compila e acrescenta as leis existentes passadas em favor da Cristandade. O interesse demonstrado pelo poder político central e local (uma vez que a documentação aqui reproduzida é oriunda de “Reis, Rainhas, Regentes, Vice-Reis e Governadores de Portugale da Índia, chanceleres, secretários de Estado, desembargadores, ouvidores, etc. – não falando do exército de oficiais menores e escrivães”), em reforçar o carácter proselitista da expansão arranca no reinado de D. João III e irá manter-se durante o domínio dos Filipes. No Livro do “Pai dos Cristãos” pode ler-se: “Quanto ao ofício do pai dos cristãos consiste principalmente em três coisas, scilicet, a uma do que toca às coisas da conversão, a outra do que faz pêra ensino dos catecúmenos, seu provimento e baptismos, e a outra do amparo e remédio dos novamente convertidos. Quanto ao primeiro, da conversão dos infiéis, como ela nestas partes da Índia não seja comummente por pregação e doutrina, mas por outros meios justos, como de lhe impedirem suas idolatrias e de os castigar justamente por elas, e lhes negar os favores que justamente se lhe podem negar e os dar aos novamente convertidos, e de honrar, ajudar, amparar a estes pêra que os outros com isso se convertam, fará o Pai dos cristãos muito porque nenhum meio deste(s) se lhe passe de que se não aproveite e ajuda para a conversão dos infiéis”. Torna-se claro, a partir deste texto, que neste período se entendia a conversão como algo que não dependia da vontade individual, mas de uma política intolerante e coerciva que obrigava todos, mesmo aqueles que não se sentiam inclinados a mudar de religião e a aderir ao Cristianismo.Para isso foram utilizados todos os meios possíveis, desde o apoio aos convertidos, à destruição dos pagodes e mesquitas e proibição de novos templos de culto não católico, até à expulsão dos territórios dominados pelos portugueses, dos que recusavam converter-se. O “Pai dos Cristãos” devia, por isso, ter um bom conhecimento das leis existentes em favor da Cristandade, a fim de poder aplicar aos novos convertidos os numerosos privilégios, cujo objectivo era não só privilegiar os convertidos, mas também, propedeuticamente, criar condições que levassem as populações gentias a“desejarem” juntar-se ao grupo dos cristãos. Para além dos aspectos religiosos e pedagógicos, outro aspecto importante da actividade do “Pai dos Cristãos” prendia-se com a sua jurisdição sobre os novos convertidos. A conversão ao Cristianismo constituía um princípio de assimilação jurídica, nomeadamente quando o direito português estabelecia regimes mais favoráveis ao convertido ou que o pusessem a salvo das pressões (económicas ou outras) por parte da comunidade indígena. Assim, por exemplo, quanto ao regime de bens do casamento ou ao regime sucessório, a legislação portuguesa, editada na Índia nos meados do século XVI, mandava aplicar às mulheres casadas que se convertessem o regime de meação nos bens do casal, e garantia aos filhos convertidos a herança de seus pais, avós e parentes, mandando entregar-lhes, logo no momento do baptismo e mesmo em vida dos pais, a “terça” portuguesa nos bens a herdar. A Coroa autorizou ainda a entregadas heranças vacantes segundo o direito gentio às filhas ou mulher, desde que cristãs. Acresciam a estas disposições uma série de privilégios estatutários, como a concessão da liberdade ao escravo de infiéis que se convertesse– mais tarde este privilégio foi revogado e determinou-se que os escravos de infiéis que se convertessem não fossem libertados mas, tão somente, vendidos acristãos; fiscais, como a isenção do pagamento do dízimo por quinze anos, ou a redução dos direitos alfandegários, como acontecia em Malaca; administrativos; ejudiciais. Assim, as pequenas questões entre convertidos deviam ser julgadas oralmente, sem delongas e formalidades, por juízes portugueses, normalmente eclesiásticos, atribuindo-se frequentemente aos mordomos das freguesias ou das confrarias competência jurisdicional sobre gentios e cristãos em causas de valor diminuto. Em Macau, a existência do “Pai dos Cristãos” surge referida em alguns documentos. Sem sermos exaustivos temos conhecimento de uma petição, apresentada em 2 de Dezembro de 1644, pelos cristãos da China, reivindicando os mesmos privilégios que os da Índia; em 1715, o “Pai dos Cristãos” (no caso, o Bispo de Macau) proibiu, a compra de escravas e o envio de mui chai (escravas chinesas) de Macau para Goa ou para outro lugar qualquer. Mais tarde, uma carta real de 1758 ordena que não haja escravidão de chins, afastando assim uma prática que era caucionada pelo “Pai dos Cristãos” (“dos que debaixo de semelhante pretexto introduziram eestão sustentando uma escravidão geral, que ainda sendo de quarenta anos, como se está praticando e convencionando ao tempo dos baptismo[s] pelo chamado Pai dos cristãos”). [C.A.] Bibliografia: ALMEIDA, Fortunato de, História da Igreja emPortugal, 4 vols., (Porto/Lisboa, 1968); AZEVEDO, Carlos Mouraria de (dir.), “Índia – Goa”, “Macau”, in Dicionário deHistória Religiosa de Portugal, 4 vols., (Lisboa, 2001); FERNANDES, Lagrange Romeu R. Fernandes, “O Pai dos Cristãos” nas Missões Portuguesas da Índia Oriental (1541-1840), texto policopiado, (Roma, 1965); “Pai dos Cristãos”, in Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, (Lisboa/Rio de Janeiro); HESPANHA, António Manuel, Panorama da História Institucionale Jurídica de Macau, (Macau, 1995); WICKI, José, Livro do“Pai dos Cristãos”, ed. crítica anotada, (Lisboa, 1969); MANSO, Maria de Deus Beites, O Cristianismo na Índia: Da Difusão aoConfronto (século XVI-XVII), [em linha], (Évora, 2003), [Consult.09 Mar. 2004], disponível em: www.triplov.com/cictsul/maria_de_deus.html; PIRES, Joaquim Videira, Os Extremos Conciliam-se, (Macau, 1988).
PAI DOS CRISTÃOS
A Diocese de Macau foi criada em 23 de Janeiro de 1575, através da Bula Papal Super specula militantis Ecclesiae concedida pelo Pontíficie Gregório XIII (1572-1585). Em consequência do crescimento de cristãos, nomeadamente, católicos, as paróquias foram aparecendo, sob a protecção religiosa de um santo. A criação das mesmas seguiu o ritmo de estabelecimento dos portugueses na península de Macau. A Diocese dessa cidade tem seis paróquias, cinco na cidade e uma na ilha da Taipa. A primeira zona a ser ocupada em Macau foi a do sul, logo seguida pela área do porto interior e a zona do porto exterior. Os territórios do norte, campos que ao longo dos tempos se transformaram em zonas habitacionais, foram a penúltima paróquia a ser criada. Já no século XIX, surgiu a Paróquia da Ilha da Taipa. –Paróquias de Macau. – 1. A Paróquia de S. Lourenço, cuja igreja foi construída entre 1558-1560 e reconstruída em 1618 (através de donativos da comunidade católica), 1768, 1846 e 1898. Funciona normalmente com um padre e três vigários apostólicos. 2. A Paróquia de Santo António teve a sua igreja construída antes de 1565 e foi alvo de sucessivas reconstruções em 1610, 1809, 1875 e 1930. A primitiva igreja era de madeira e outros materiais perecíveis. Funciona comum padre e quatro vigários apostólicos. 3. A Paróquia de S. Lázaro ou Nossa Senhora da Esperança, com a sua igreja construída em 1568 e reconstruída em 1885, funciona com um padre e três vigários apostólicos. 4. A Paróquia da Sé Catedral ou Natividade de Nossa Senhora, cujo templo foi construído antes de 1576, reconstruído em 1623 e 1850. É a sede da Diocese, residência episcopal e funciona com um padre, neste caso, Bispo e com quatro vigários apostólicos. 5. A Paróquia de Nossa Senhora de Fátima teve a sua igreja construída em 1929 e reconstruída em 1967. Funciona com um padre e dois vigários apostólicos. 6. A Paróquia de Nossa Senhora do Carmo, na Taipa, foi erigida aquando da construção da sua igreja em 1885, alvo de obras de reconstrução em 1985, funciona comum padre e um vigário apostólico. [A.N.M.] Bibliografia: CARMO, António, A Igreja Católica em Macaue na China, no Contexto do Sudeste Asiático. (Macau, 1997); LJUNGSTEDT, Anders, Um Esboço Histórico dos Estabelecimentos dos Portugueses e da Igreja Católica Romana e das Missões na China, (Macau, 1999).
PARÓQUIAS de Macau
O conceito de Padroado Português desenvolve-se a partir do direito de patronagem concedido pela Santa Sé em matéria de evangelização e administração eclesiástica nas regiões de descoberta e conquista ultramarinas, concretizando inicialmente formas canónicas de recompensar a actividade de benemerência e investimento religiosos que“patronos” ou “padroeiros” portugueses, geralmente ligados à Coroa e à família régia, dirigiram para a missionação, apoio a religiosos ou edificação de igrejas e outros espaços de culto nos primeiros espaços de expansão atlântica e africana. Originalmente, este direito de jus patronatus começa por ser doado à ordem de Cristo, especialmente no duplo contexto das conquistas no Norte de África e do desenvolvimento dos descobrimentos henriquinos, mas a posterior direcção e“nacionalização” régias dessa poderosa instituição religiosa passaria a integrar sucessivamente esses direitos na ordem da justificação canónico-política da expansão portuguesa. Numerosos textos legais e uma colecção significativa de bulas papais escritos entre 1418 e 1690 desenharam e especializaram tanto os privilégios como as dúvidas do Padroado Português na África, no Brasil e na Ásia, direitos que se foram ampliando e modificando em diferentes papados, recolhendo já complexos jogos de relações diplomáticas, já variados interesses religiosos e políticos. A noção mais concreta de Padroado Português do Oriente organiza a colecção dos direitos de patronagem atribuídos e apropriados pela Coroa portuguesa aplicados ao que se designava oficialmente por Estado da Índia, estendendo-se demoradamente desde o cabo da Boa Esperança até ao Japão, reunindo diferentes enclaves e colónias em que se concretizavam formas diferenciadas de soberania epresença comercial portuguesa. Analisando selectivamente este imenso corpus canónico de evidente expressão política, destaque-se que um dos mais importantes privilégios utilizados pela Coroa portuguesa no financiamento e apoio a actividades religiosas e eclesiásticas na Ásia era a prescrição papal obrigando todo o missionário que se dirigisse à Índia a sair de Lisboa a bordo de um navio português com autorização explícita das autoridades régias, princípio que reunia vária documentação pontifícia a partir ainda da evocação recorrente dos direitos definidos pela célebre bula Romanus Pontifex, de 1455. Estes direitos concorrem para explicar as diferentes audiências que, sobretudo ao longo do século XVI, os monarcas portugueses foram concedendo aos grupos de missionários que, dominados maioritariamente pela militância da Companhia de Jesus, se dirigiam para a geografia das missões asiáticas, expressando modalidades práticas tanto de reconhecimento do Padroado Português como da sua representação régia. Mais fundamental na organização dos direitos de Padroado nos espaços orientais se mostrava o direito da Coroa portuguesa a nomear ou confirmar os apontamentos para os bispados vacantes e outros ofícios eclesiásticos superiores na Ásia, a partir do desmembramento da vasta jurisdição ultramarina acometida apostolicamente à diocese do Funchal, depois vazada na diocese de Goa, criada de facto em 1534, para depois se multiplicar por outros territórios diocesanos de presença colonial portuguesa na Ásia. A acumulação destes diferentes privilégios e direitos foi gerando um verdadeiro monopólio na esfera religiosa e eclesiástica que complementava a dominação comercial e, nalguns pequenos espaços, soberana da presença portuguesa em territórios asiáticos, demoradamente invocando em termos oficiais essa ordem da exclusividadede um Padroado religioso que, formalmente, apenas se extinguiria no século XIX. A concretização a partir do terço final de Quinhentos de interesses territoriais coloniais e comerciais espanhóis nas Filipinas viria a constituir um primeiro desafio ao monopólio religioso português, recusando-se os missionários espanhóis a aceitar o Padroado Português nos territórios em torno do mar da China. Subitamente, Manila começava mesmo a tentar rivalizar com Macau no desenvolvimento das missões religiosas do Extremo Oriente, tomando nomeadamente a forma de oposição frontal de várias ordens religiosas das Filipinas aos jesuítas que, ancorados ao enclave macaense, dominavam os esforços missionários que se dirigiam para a China e o Japão. Uma conflitualidade que haveria de suscitar a intervenção prudente do primeiro rei da monarquia dual, Filipe II, obrigado em 1595 a proibir os religiosos das Filipinas de missionar na China e no Japão, reservando estes territórios de missão aos jesuítas do Padroado Português, apesar de acrescentar com algum significado que, se fosse necessário mobilizarmais missionários, a excepção deveria contemplar os franciscanos capuchos de Malaca. No entanto, estas ordens régias não produziam mais efeitos do que aquelas que proibiam o comércio entre Manila e Macau. À semelhança do florescente comércio ilegal, atraindo mercadores privados com a anuência das muito “autónomas” autoridades portuguesas de Macau, eram também numerosos os religiosos que se deslocavam nestes espaços. Ainda em 1596, o bispo residente em Macau, D. Pedro Martins, protestava contra a actividade de oito menores espanhóis que missionavam activamente no Japão, arrolando-se nas décadas seguintes muitos protestos semelhantes produzidos tanto por autoridades eclesiásticas como civis portuguesas. Estas posições não foram suficientemente impressivas para impedir que o papa Paulo V, em 1608, publicasse o breve Sedis Apostolicae Providentia, acabando com qualquer limitação nas vias europeias e itinerários marítimos de acesso às missões asiáticas. As relações difíceis entre religiosos de várias ordens organizadas, dos agostinhos aos mendicantes e de todos com a Companhia de Jesus, exacerbaram-se ainda mais após as perseguições dos poderes nipónicos reunidos em torno da forte autoridade de Toyotomi Hideyoshi inauguradas com os grandes massacres de 1597 com cada um dos diferentes ramos missionários da Igreja romana a acusar o outro de ter provocado as violentas perseguições. Acusações que se podem frequentar, entre muitas outras, nas missivas que o jesuíta D. Afonso Mendes, Patriarca da Etiópia, escreveu de Goa cerca de 1640 ao colégio da Propaganda Fide, recriminando os religiosos de outras ordens de arruinarem a missão da China como haviam feito no Japão. Estas acusações receberam comprometidamente o apoio das autoridades coloniais do chamado Estado da Índia que, pese embora algumas particularidades circunstanciais, apoiavam geralmente os jesuítas, convocando a sua actividade missionária no quadro dos direitos do Padroado Português como uma dimensão importante das formas religiosas que expressavam a soberania portuguesa em territórios asiáticos. Neste período, porém, a Santa Sé havia já transformado a Comissão pontifícia encarregadada missionação, organizada em 1572 sem grande expressão, numa sagrada Congregação que, a partir de 1622, receberia do papa Gregório XV essa existência jurídica reconhecida como Propaganda Fide. Neste novo contexto, em seguida, a oposição ao monopólio religioso português veio dos missionários franceses nomeados pelo papado, desde 1658, para vicariatos orientais e financiados por Luís XIV para multiplicarem actividades missionárias na Ásia no quadro da nova Socitété des Missions Étrangères de Paris. A maioria dos missionários partia em barcos franceses e mostrou-se praticamente impossível às autoridades portuguesas impedir o seu desembarque em Cantão e, muito menos, a sua rápida disseminação por muitos espaços que se organizavam debaixo dessa representação geográfica e cultural intitulada Cochinchina. A recorrente intransigência da Coroa portuguesa e dos seus representantes coloniais na Ásia em defender a exclusividade do Padroado expressou-se em várias manifestações de força, como esta que permitiu ao governador de Macau, em 1686, prender alguns missionários espanhóis das Filipinas no seu caminho para o actual Camboja. Muito mais grave e séria viria a ser a prisão do legado papal, Charles Maillard de Tournon, Patriarca de Antioquia, após o seu retorno de Pequim (Beijing北京) em 1707 quando procurava congregar adesões religiosas locais às condenações papais dos chamadosritos chineses tolerados pela casuística e praxis missionária dos jesuítas. Recorde-se que, contrariando em termos formais e institucionais o monopólio religioso do Padroado Português, a história missionária e eclesiásticado catolicismo na China altera as suas primeiras formas administrativas diocesanas nos finais do século XVII, quando a Santa Sé decide dividir os movimentos, pessoal e equipamentos religiosos que se organizavam como “Missão da China” em três grandes dioceses: Pequim (Beijing 北京), Nanjing 南京 e Macau. O novo bispado especializado para o enclave português do delta do rio das Pérolas passava a cumprir uma jurisdição “limitada” às províncias de Guangdong 廣東 e Guangxi 廣西, diminuindo tanto a extensão da sua vocação missionária como as fronteiras eclesiais diocesanas oferecidas ao extenso território imperial chinês. Como se sabe, em termos estritamente eclesiológicos, é apenas neste período que se formaliza a nomeação do primeiro bispo exclusivamente de Macau na figura importante de D. João do Casal, personalidade dinâmica que não deixaria de procurar defender as prerrogativas cada vez mais infirmadas dos direitos do Padroado Português no Oriente. Convocando precisamente estes privilégios, o prelado macaense haveria de se opor duramente ao enviado papal Charles Maillard de Tournon que, entrando em Macau em 1705, vinha encarregado desse esforço de obrigar a Igreja local e os diferentes cenóbios religiosos a cumprirem a condenação papal dos chamados ritos chineses, geralmente entendidos como uma colecção oficialde ritos “confucianos” ligados, duplamente, à celebraçãodos cultos funerários tradicionais dos antepassado se à exornação ritual da figura do imperador enquanto sacralização do seu poder. A questão haveria de dividir o céu religioso macaense, concluindo-se, em 1711, um ano depois do falecimento em Macau do enviado papal, com a deportação de D. João do Casal para a Índia, ao mesmo tempo que o rei de Portugal D. João V entenderia recompensar generosamente a casa dos agostinhos macaenses pelo apoio dado ao legado apostólico, o que não deixava de representar um evidente reconhecimento da superioridade das prerrogativas pontifícias e das suas enviaturas às missões e espaços católicos asiáticos. Apesar da oposição dos jesuítas e do imperador Kwangxi (Kangxi 康熙), o Papa continuou a tentar impor a condenação dos ritos chineses, denunciados com violência através da Bula Ex illa die, publicada em Roma, em Março de 1715, para chegar a Guangzhou 廣州 e Pequim (Beijing 北京) em Agosto e Novembro do ano seguinte. Em Macau, as renovadas condenações pontifícias divulgam-se com a chegada de novo legado papal, Carlo Ambrogio Mezzabarba, Patriarca de Alexandria, solenemente recebido em 25 de Março de 1720. Avisado pela conflitualidade que rodeara a missão difícil do seu antecessor, Mezzabarba navega para o Oriente saindo prudentemente de Lisboa, em barco português e com autorização da Coroa, como impunha a casuística documentalmente complexa e enredada dos direitos do Padroado Português. Após nove dias de contactos em Macau, o enviado da cúria pontifícia dirige-se a Cantão e, em seguida, a Pequim (Beijing 北京), procurando alcançar a corte do “Filho do Céu”. Consegue concretizar uma audiência com o velho imperador Kwangxi (Kangxi 康熙), mas o encontro não pareceter deixado quaisquer impressões favoráveis nos meios imperiais chineses. Com efeito, após ouvir os argumentos da enviatura e escutar a leitura da tradução da bula Ex illa die, o imperador tratou de esclarecer sentenciosamente serem os europeus tão limitados mentalmente que se encontravam incapazes de aceder à compreensão da profundidade da filosofia confuciana. Se continuarmos a seguir a reconstrução – provavelmente mais representacional do que real – deste debate cortesão imperial, sublinha-se ainda que o grande monarca chinês terá mesmo concluído a audiência oferecida a Carlo Mezzabarba comparando os diferentes missionários católicos romanos aos supersticiosos sacerdotes budistas e taoístas. Depois deste insucesso, contrariado também pela qualidade da treinada argumentação jesuíta em defesa dos ritos chineses, o legado papal acabaria apenas por editar uma instrução equívoca que, difundida em 4 Novembro de 1721, permitia aos missionários da Companhia de Jesus praticamente ignorar as obrigações pontifícias. De qualquer forma, a acção do legado papal em Macau concorreu para aplacar divisões e restaurar conciliações entre os diferentes agentes locais da missionação católica, permitindo mesmo o trabalho religioso do procurador geral da Propaganda Fide. Por isso, ao encerrar a sua enviatura, o patriarca Carlo Mezzabarba conseguiu recolher os restos mortais do seu agitado antecessor, depois devidamente inumados na casa romana da Propaganda. Ao longo do século XVIII e ainda nas primeiras décadas de Oitocentos, alguns poderes eclesiásticos e políticos coloniais portugueses em Macau continuaram ainda, conquanto cada vez mais esparsamente, a convocar os direitos do Padroado contra outras missões religiosas que, apoiadas pela Propaganda Fide, sustentavam a multiplicação da concorrência política e comercial europeia nos mares do Sul da China. Assim, em 1777, o bispo da diocese de Macau, D. Alexandre da Silva Pedrosa Guimarães, continuava a negar direito de passagem pela cidade aos missionários estrangeiros que não jurassem fidelidade ao monarca português. Ainda no segundo quartel do século XIX, o governador Sousa Soares exigia que abandonassem Macau todos os procuradores da Propaganda Fide e missionários que residissem no território sem terem viajado a partir de Lisboa e jurado obediência ao Padroado português. Apesar da procuradoria da Propaganda ter deixado Macau na década de 1840, o conflito que foi opondo a Coroa portuguesa e o papado viria a ser definitivamente dirimido já tardiamente quando, em 1857, com a concordata assinada entre Portugal e a Santa Sé, se extinguia formalmente a noção e os direitos do Padroado Português no Oriente. [I.C.S.] Bibliografia: ARAÚJO, Horácio Peixoto de, Os Jesuítas noImpério da China. O Primeiro Século (1582-1680), (Macau,2000); REGO, António da Silva, O Padroado Português no Oriente, (Lisboa, 1940); VALE, A. M. Martins do, Entre a Cruz e o Dragão. O Padroado Português na China no século XVIII,(Lisboa, 2002).
PADROADO PORTUGUÊS
Fonte: | Arquivo de Macau, documento n.ºMNL.08.09.063.F |
Entidade de coleção: | Arquivo de Macau |
Fornecedor da digitalização: | Arquivo de Macau |
Tipo: | Imagem |
Fotografia | |
Preto e branco | |
Formato das informações digitais: | TIF, 1417x2000, 2.70MB |
Identificador: | p0004337 |
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