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Data de atualização: 2020/07/09
Surgimento e mudança da Ribeira Lin Kai de San Kio
Macau e a Rota da Seda: “Macau nos Mapas Antigos” Série de Conhecimentos (I)
Escravo Negro de Macau que Podia Viver no Fundo da Água
Que tipo de país é a China ? O que disseram os primeiros portugueses aqui chegados sobre a China, 1515
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Mercador natural de Nova Iorque, residente em Cantão e Macau durante o chamado período pré-tratados e conhecido pelo seu domínio da língua chinesa e por ter publicado, aos 70 e 73 anos de idade, dois clássicos da história do China Trade, respectivamente as memórias The 'Fan Kwae' at Canton Before the Treaty Days 1825-1844 (1882) e Bits of Old China (1885), bem como traduções do chinês, poemas humorísticos e prosa em The Canton Register, The Chinese Repository e The Canton Press. Hunter é enviado, pela firma norte-americana de Thomas H. Smith, para a China em 1825, com treze anos de idade, de forma a aprender a língua chinesa, devido à facilidade com que adolescentes como o inglês George Thomas Staunton a aprendem desde cedo, acabando o jovem por vir a aprender mandarim no Colégio Anglo-Chinês de Malaca, fundado por Robert Morrison, durante um ano e meio, face à impossibilidade de conseguir um professor nativo em Cantão. A firma que o enviara entra em falência em 1827, e é na segunda viagem do jovem à China que, em 1829, este consegue emprego na Russel & Company, residindo na feitoria sueca de Cantão (1829-1842) e tornando-se sócio da companhia em 1837 até se reformar, com trinta anos de idade (31-12-1842), para gozar a fortuna acumulada. Hunter permanece na China e é pai de uma filha e um filho, A. C. Hunter, que se dedicaria ao comércio em Xangai. O autor torna-se amigo de vários mercadores hongs (hang 行), nomeadamente de Houqua (Haoguan 浩官), sendo admirado por ocidentais e nativos quer em Cantão quer em Macau, onde a comunidade estrangeira passa o Verão e onde George Chinnery pinta dois retratos do comerciante, um sozinho e outro na companhia de dois amigos, numa varanda da cidade. Por volta de 1870, o mercador abandona a China, vivendo algum tempo em Nova Iorque e em Paris, vindo a falecer em Nice (25-06-1891). As suas duas principais narrativas de cariz etnográfico são utilizadas por inúmeros historiadores do China Trade, bem como de Macau e Cantão antes da Guerra do Ópio, recordações anotadas em apontamentos e cartas sobre a sua vida no Sul da China, ilustrados com pitorescos episódios e acontecimentos testemunhados pessoalmente. The 'Fan Kwae' at Canton é composto por uma introdução que descreve a primeira viagem do autor para a China (1824-1825), a sua estada no Colégio Anglo-Chinês em Malaca e a sua vida até ser empregado pela Russel & Co. , seguindo-se a descrição das condições do China Trade até à Guerra do Ópio: Macau, os hábitos e costumes das populações chinesa e estrangeira, as feitorias de Cantão, o tráfico de ópio no qual o autor participa, a medição dos barcos, a acção missionária estrangeira, a Companhia das Índias inglesa, os mercadores, empregados e intérpretes chineses e o Chinese Pidgin English, bem como outros acontecimentos entre 1827 e 1844. Nesta obra, o autor refere a sua chegada à China em 1825, nomeadamente a Macau, espaço ao qual a actividade comercial dos portugueses se encontra confinada, descrevendo o enclave resumidamente: o clima agradável, a localização esplêndida, os fortes, as igrejas, os conventos, as muralhas, o Senado, as residências privadas e a Praia Grande, comparada à Baía de Nápoles. Bits of Old China apresenta diversas traduções do chinês e acontecimentos entre 1825 e 1860, sobretudo até ao Tratado de Nanquim, como a morte e o funeral de Thomas Beale em 1841-1842, o cerco das feitorias em Cantão e a visita de Hariett Low, incógnita, a Cantão, não estando ambas as obras isentas de gralhas linguísticas e imprecisões históricas, o que poderá, em parte, ser explicado pelo facto de ambas serem publicadas cerca de sessenta anos após a chegada do autor à China. Hunter refere ainda os estudos historiográficos de Ljungstedt sobre o enclave. Relativamente a Macau, Bits of Old China descreve o pitoresco e sonolento território enquanto destino dos comerciantes entre as trading seasons ou quando adoecem em Cantão, enumerando os vários pratos que aí se consomem. A urbe é ainda centro de expansão religiosa, local de troca de informação, contextualizando Hunter a 'acção' narrada através de uma súmula histórico-cultural em torno da cidade sob administração portuguesa e Malaca, associando à cosmopolita 'estância de Verão dos residentes de Cantão'' figuras como Luís Vaz de Camões, por entre a simbólica toponímia do enclave, onde as visitas de amigas, as aulas de línguas e os passeios são constantes no quotidiano da comunidade anglófona, que aprecia, mesmo sem as entenderem, as festividades quer chinesas quer lusas. O autor utiliza ainda expressões portuguesas que ouve em Macau como 'poco-poco'(pouco-a-pouco) ao descrever o quotidiano de figuras como Chinnery e William W. Wood na terra da tolerância e liberdade. A obra de Hunter assume-se assim como um repositório da vivência humana das comunidades de expressão inglesa em Macau nos 'velhos tempos' que antecedem a abertura dos portos da China ao Ocidente. [R.M.P.]Bibliografia: ABEEL, David, Journal of a Residence in China and the Neighbouring Countries from 1830 to 1833, (Londres, 1835); HUMMEL, Arthur W, s.v. 'Hunter, William C.', in Dictionary of American Biography, vol. 9, (1932); HUNTER, William C., The 'Fan Kwae' at Canton Before the Treaty Days. 1825-1844, (Londres, 1882); HUNTER, William C., Bits of Old China, (Londres, 1885); NYE, Gideon, The Morning of my Llfe in China, a Lecture Delivered ... Canton ... 1873, s./e. (Cantão, 1873); VARGAS, Ph. de, 'William C. Hunter's Books on the Old Canton Factories', in HUNTER, William C., An American in Canton (1825-44), (Hong Kong, 1994), pp. 281-308.
HUNTER, WilliAM C. (1812-1891)
BONNETAIN, PAUL (1858-1899). Escritor e jornalista francês, nascido em Nimes, que se dedica a questões marítimas e coloniais, autor de obras como Tour du Monde d’un Troupier (1882); Charlot s’Amuse e L’extrême orient, Chine et Japon (1888) e L’ópium (1886), sendo esta última obra uma reportagem-testemunho sobre os mistérios orientais e o vício de fumar. Bonnetain participa numa expedição a Tonqui, como correspondente do jornal Le Figaro, sendo os artigos epistolares reunidos e publicados em 1885. Na sua narrativa sobre o Extremo Oriente o autor descreve a sua estada em Macau, para onde se desloca de Hong Kong, cuja fundação, juntamente com a abertura dos demais portos chineses ao comércio ocidental após a Guerra do Ópio, são apontados como factores que contribuem para o empobrecimento do enclave sino-português, que, durante cerca de três séculos, detivera o monopólio comercial entre a Europa e o Império do Meio. O repórter refere ainda os antigos barracões do tráfico dos cules, vivendo Macau do jogo e da lotaria. Tal como George Busquet (1846-1937), autor que Bonnetain poderá ter lido, este último sente-se em Macau, transportado para a Europa após ter percorrido quatro mil léguas até à China. Aliás, as semelhanças entre a descrição da cidade nas obras destes dois viajantes continuam, pois tal como Busquet, também Bonnetain refere a destruição ainda visível do tufão de 1847 e aproxima Macau de uma pequena cidade no Sul da França. O visitante apresenta ainda as coloridas e sonolentas fachadas, enquanto a cidade deserta dorme a sesta adornada por inúmeras igrejas sombrias e silenciosas. O grupo de visitantes franceses desloca-se à Gruta de Camões, rodeada de “banalidades”, que são mais tarde novamente criticadas. De regresso, a comitiva encontra mulheres macaenses envoltas por véus, parecendo freiras (comparação idêntica à de Benjamin Lincoln Ball), enquanto nos bairros mais agitados marujos se acotovelam com chineses, por entre aromas, sons orientais e casas de jogo. O narrador faz uma pausa na descrição, afirmando, com um pendor lírico, que Macau é dos locais mais silenciosos que visitara. Curiosa é a descrição do encontro do autor com o velho guarda português que se encarrega do jardim da Gruta de Camões, pedindo aos visitantes que assinem um caderno de registo da visita, ficando claro para o primeiro, pelas poucas páginas utilizadas, que os turistas em Macau são poucos. Paul Bonnetain faleceu no Laos em 1899. Bibliografia: BONNETAIN, Paul, Charlot s’Amuse, 12.ª edição, (Bruxelas, 1884); BONNETAIN, Paul, L’Opium, (Paris, 1886); BONNETAIN, Paul, Le Monde Pittoresque et Monumental: L’Extreme Oriente, (Paris, 1887).
BONNETAIN, PAUL (1858-1899)
BRASSEY, LADY ANNA ALLNUT ou BRASSEY, LADY ANNIE (1839-1887). Baronesa inglesa (née Allnut), casada com Lord Thomas Brassey, economista político e governador do estado de Victoria (Austrália) entre 1883 e 1885. A família Brassey parte em 1876, no iate Sunbeam, para uma viagem à volta do mundo que duraria onze meses, e Lady Brassey é autora do popular diário dessa mesma viagem Around the World in the Yatch ‘Sunbeam’ our Home on the Ocean for Eleven Months (1878), ilustrado por A. Y. Bingham. A família visita Macau, partindo de Hong Kong no Flying Cloud e a diarista descreve a localização e o aspecto geral do “primeiro estabelecimento na China, que pertence aos portugueses, “outrora uma cidade agradável, com edifícios esplêndidos”. Curiosamente, a autora justifica o aspecto desolado da urbe e a ausência de mercadores com o facto de Macau se situar na rota dos tufões e com o fim do tráfico dos cules, retirando os lusos rendimento dos jogos como o fan-tan 番攤, descrito pela viajante. A ampla mansão onde a família pernoita é minuciosamente descrita, bem como a mobília da mesma, incluindo os mosquiteiros. Durante o passeio de cadeirinha pela cidade até ao farol da Guia, Anna conclui que Macau tem um aspecto totalmente português, com habitações coloridas e uma boa guarda militar, imagem complementada pelo som dos sinos das inúmeras igrejas do território, “estância favorita dos residentes europeus de Hong Kong viciados no jogo.” O texto sugere ainda os sons da Macau nocturna, nomeadamente os tambores dos guardas que passam de hora a hora com duas batidas, intervaladas em meio minuto. Antes de abandonar o enclave a família diverte-se durante um passeio de junco chinês, rumo à ilha de Chock-Sing-Toon, visitando ainda o Jardim de Camões, as ruínas de São Paulo e as demais deixadas pelo tufão de 1874. Bibliografia: BRASSEY, Lady Anna, A Voyage in the Sunbeam, our Home on the Ocean for Eleven Months, (Londres, 1879); BRASSEY, Lady Anna, In the Trades, the Tropics & the Roaring Forties, ilustrações de G. Pearson, (Londres, 1885); BRASSEY, Lady Anna, Lady Brassey’s Three Voyages in the Sunbeam, (Londres, 1887); BRASSEY, Lady Anna, Around the World in the Yatch ‘Sunbeam’ our Home on the Ocean for Eleven Months, ilustrado por A. Y. Bingham, (Nova Iorque, 1889); MICKLEWRIGHT, Nancy, A Victorian Traveler in the Middle East: The Photography and Travel Writing of Lady Annie Brassey (Burlington, 2002).
BRASSEY, LADY ANNA ALLNUT ou BRASSEY, LADY ANNIE (1839-1887)
O pouco conhecido livro de Ana d’Almeida A Lady’s Visit to Manilla and Japan é uma obra tão curiosa como rara. O volume de quase trezentas páginas de reduzido formato, ilustrado com várias gravuras, algumas delas coloridas, oferece um extraordinário relato da viagem da autora com o seu marido e filha, ao longo de 1862, a partir de Singapura para visitar sucessivamente Hong Kong, Manila, Macau, Amoy, Cantão e Xangai, chegando depois ao Japão onde seria uma das primeiras mulheres estrangeiras a conseguir visitar Nagasáqui e Yokahama. O seu livro é precisamente recordado por esta viagem original tendo suscitado algum, ainda que limitado, interesse académico e uma recente reedição que, datando de 2003, segue a publicação original oitocentista, permitindo aproximar mais a obra do leitor interessado actual. Em termos gerais, estamos colocados perante um desses cada vez mais procurados livros de viagens em que predomina a obervação, a curiosidade e alguma surpresa pelo outro, tantas vezes devidamente exagerada e representada para excitar os leitores elitários europeus. Apesar de dominado pela ordem do observacional, preferindo uma descrição quase visual das suas viagens, em algumas áreas textuais Ana d’Almeida procura perseguir uma certa perspectiva feminina, mobilizando observações cuidadas sobre a vida social doméstica, comportamentos sociais e formas de vida das mulheres locais. Uma interessada obervação que se surpreende na descrição também social de Manila e do complexo jogo de estatutos e hábitos sociais da vida urbana do Japão. Para além destas verdadeiras novidades, a obra de Ana de Almeida inte¬ressa-nos mais especializadamente pelos dois capítulos – o quarto e quinto – em que se organizam por escrito as memórias de uma visita rápida, mas interessada, ao pequeno enclave macaense, quase prefigurando um verdadeiro guia turístico. Ana d’Almeida tinha ligações familiares profundas com Macau, mas que foram quase completamente esquecidas nas suas macaenses páginas. Tinha casado em Oxford, à roda de 1860, com William Barrington d’Almeida, segundo filho do primeiro casamento do macaense Joaquim José d’Almeida com Rosemary Barrington. Apesar de nascido em 1811 em Macau, na freguesia da Sé, Joaquim d’Almeida tinha acompanhado ainda jovem o seu pai, o médico José d’ Almeida Carvalho e Silva, para Singapura onde fundaria firma comercial importante e se tornaria primeiro cônsul de Portugal na “região dos Estreitos”. Abandonando o nome de solteira de Anna Henriette Pennington, Ana d’Almeida abraçaria a vida social e os contactos comerciais da poderosa dinastia singaporense de Almeidas que continuaram a manter importantes ligações e investimentos mercantis em Macau. Por isso, durante a sua visita ao enclave, Ana d’Almeida viria a alojar-se na sumptuosa residência apalaçada do primeiro barão do Cercal (hoje, Palácio do Governo), sede para várias visitas ao património histórico de Macau tanto como para o convívio social e cultural com a grande burguesia comercial católica macaense. O seu livro é uma descrição importante de alguns dos locais que fundavam os lugares da memória da comunidade cristã de Macau, da fachada da igreja Jesuíta da Madre de Deus ao jardim de Camões, demoradamente descrito com algum criticismo. Descrições que se alargam a alguns templos religiosos chineses, devidamente catalogados como pagodes, permitindo descobrir outras críticas pretensamente cultas e elevadas sobre as “superstições” chinesas, mas que se alargam também a algumas manifestações mais fervorosas do catolicismo local. Talvez mais interessante, é o testemunho social e cultural raro que a descrição de Macau de Ana d’Almeida permite abrir em direcção aos comportamentos sociais e simbólicos de uma rica alta burguesia mercantil que, nos seus palácios e festas, convívios e saraus musicais, procurava exibir uma sorte de aristocracia ocidental que deixou marcas no património histórico macaense. Bibliografia: BLAKE, M.; EBERT-OEHLERS, A., Singapore Eurasians: Memories and Hopes, (Singapore:, 1992); ALMEIDA, Anna d’, A Lady’s Visit to Manilla and Japan, (London, 1863); ALMEIDA, Anna d’, A Lady’s Visit to Manilla and Japan, (Chicago, 2003); MULLINER, K., Historical Dictionary of Singapore, (Metuchen, NJ, 1991).
ALMEIDA, ANA D' (?-?)
Jornalista, contista norte-americano autor do conto ln Macao (1892), cujo narrador recorre a uma longa analepse para descrever o desenrolar do trágico caso amoroso do tio norte-americano do narrador, Robert Adams, oriundo de Nova Inglaterra, e envolvido no China trade. O visitante chegado de Hong Kong deambula pelas calcetadas ruas de Macau, por entre uma galeria de tradições, leis e imagens que concorrem para a caracterização dos espaços das comunidades portuguesa e chinesa como, por exemplo, o jardim da Gruta de Camões, as casas de jogo, a igreja da Nossa Senhora da Penha, a Praia Grande, e as ruínas de São Paulo. Os adjectivos 'agradável' e 'lindo' qualificam o espaço agreste onde o narrador se encontra, retirando este partido do exotismo e da familiaridade que se fundem na arquitectura e convivência humana e cultural do território. A comparação da urbe com Hong Kong num momento em que a colónia inglesa a 'matou' é feita por dissemelhança, tornando-se a primeira 'uma cidade do passado, de pobreza e orgulho'. Quer o vestuário quer a tez das personagens servem de diferenciadores culturais, enriquecendo o imaginário social do espaço cultural construído na narrativa. [R.M.P.]Bibliografia: GUNNISON, Charles, A., 'ln Macao'', in Wright American Fiction, vol. 3, (San Francisco, 1892), pp. 7-33; PUGA, Rogério Miguel, 'The Picturesqueness of Sleepy Macao: Singularidade do Espaço num Como de Charles Gunnison', Oriente, n.o1, (Lisboa, Setembro-Dezembro de 2001), pp. 108-118.
GUNNlSON, CHARLES A. ou GUNNlSON,CHARLES ANDREW (1861-1897).
COATES, AUSTIN (1922-1997). Administrador colonial, diplomata, escritor, Austin Coates viveu os seus últimos anos em Portugal, onde morreu no dia 17 de Março de 1997, semanas antes de completar 75 anos de idade. A escolha da Rua das Horas da Paz, em Colares, Sintra, para última morada não foi um acaso na vida aventurosa deste aristocrata inglês, cidadão do mundo, que conheceu Portugal a Oriente e dedicou a essa dimensão da gesta parte da sua obra literária. Austin Francis Harrisson Coates nasceu em Londres a 16 de Abril de 1922; estudou na Stowe School, e em Paris. Filho do compositor Eric Coates, Austin desde novo acalentou a ideia de se tornar escritor, mas os seus planos seriam abruptamente interrompidos pelo eclodir da II Guerra Mundial. Mobilizado pela Royal Air Force Intelligence, começa por prestar serviço em Londres, partindo em 1942 para a Índia, onde privou com Mahatma Ghandi (durante cerca de um mês, em gozo de licença militar, acompanhou o profeta da paz nas suas deambulações por um continente em plena ebulição). Ainda nos Serviços de Informação da RAF, cumpre comissões na Birmânia (Myanmar), Singapura e Indonésia, até 1947. Dois anos depois, ingressa na administração colonial britânica, tendo sido indigitado Secretário Colonial Adjunto e colocado em Hong Kong. É nesta colónia britânica que passa a dedicar-se à escrita, e surgem as primeiras obras: Invitation to an Eastern Feast e Personal and Oriental. A sua obra mais famosa, Myself a Mandarim (1967), seria também inspirada pelas vivências no último posto britânico do Oriente, concretamente do período em que desempenhou os cargos de administrador civil e magistrado nos Novos Territórios, entre 1953 e 1955. Segue-se o período malaio: de 1957 a 1962, exerce funções de magistrado, diplomata e administrador colonial em Sarawak, Penang e Kuala Lumpur. Em 1962, abandona a administração britânica e, de regresso à sua Londres natal, dedica-se a tempo inteiro à escrita, produzindo obra em diversos géneros, da novela à ficção histórica; das memórias à biografia, de que se destaca, neste último género, o seu livro de maior fôlego, Rizal: Philippine Nationalist and Martyr (1968). Macau, que conhecera numa tarde cálida do início dos anos 1950, ocupa parte relevante do seu labor literário. Era a Macau de Gonzaga Gomes e Jack Braga, com quem priva na célebre tertúlia do Hotel Riviera: nessa altura, havia 27 carros e o ‘dia europeu’ não começava antes das 11 da manhã. Do convívio com a intelectualidade e as famílias tradicionais macaenses, parte para a investigação ao passado do enclave português, e dessa viagem resultam obras incontornáveis como A Macao Narrative (1978) e City of Broken Promises (1967) – em que mistura, com mestria literária, a realidade e a ficção (embora tais devaneios lhe mereçam críticas dos puristas da verdade histórica). Em 1966, depois de quatro frios invernos na Velha Albion, volta a Hong Kong, fixando ali residência para os 27 anos seguintes – durante os quais se desloca amiúde a Macau, hospedando-se, invariavelmente, no Hotel Bela Vista – onde produziu boa parte da sua obra literária. Entretanto, em 1974, faz uma viagem exploratória a Portugal, à procura de uma alternativa mais amena aos verões sufocantes de Hong Kong. Mas, 10 dias depois de ter deixado Lisboa, dá-se o 25 de Abril, e o Grande Oficial Cavaleiro de Sua Majestade, que presenciara o declínio do império colonial britânico na Índia, Malásia e Singapura, decide não trocar a sua casa na Upper MacDonald Road, sobranceira a Central, pela perspectiva de viver novas convulsões revolucionárias, e volta ao Extremo Oriente. Só duas décadas depois, a partir de 1993, se cumpre o sonho de acabar os seus dias na serra de Sintra, no país que tem o povo mais profundamente cosmopolita do mundo, como disse um dia Austin Coates, inveterado apreciador de vinhos do Dão e charutos havanos.
COATES, AUSTIN (1922-1997)
BOUSQUET, GEORGES (1846-1937). Jurista francês que reside no Japão, entre Fevereiro de 1872 e Maio de 1876, na qualidade de conselheiro do governo japonês e é professor de Direito na (futura) Escola de Direito, participando na redacção de um projecto do Código Civil nipónico. Bousquet é autor de obras como Un voyage dans l’intérieur du Japon (1874), Agents diplomatiques e consulaires (1833), e Le Japon de nos jours et les échelles de l’Extrême Orient, em dois volumes, Paris, 1877, que contém o relato de uma visita do autor a Macau, onde chega, desde Hong Kong, a bordo do vapor inglês Spark, tendo alguns excertos da mesma sido publicados em L’écho de Japon (Yokohama) e Revue des deux mondes. O autor sintetiza a história da presença portuguesa no ‘pitoresco’ enclave, que se assemelha a um farol no Mar do Sul da China (imagem mais tarde citada por Victor Tissot, La Chine d’après les voyageurs les plus récents, 1885, p. 9), e descreve os golpes que o território sofrera com a fundação de Hong Kong e com o tufão de 1874. A cidade dá ao viajante, tal como a Paul Bonnetain anos mais tarde, a impressão de chegar à Europa após ter viajado até à China, comparando o primeiro a parte elevada do enclave a uma cidade rural do sul de França, com ruas sinuosas, “colinas pitorescas”, as casas da Praia Grande reconstruídas após o tufão de 22 de Setembro de 1874, as igrejas e os conventos. Bousquet refere ainda os quatro/cinco mil macaenses e os mestiços que constituem a curiosa população da cidade cosmopolita, onde os chineses adquirem hábitos europeus e os residentes europeus de Hong Kong vêm tentar a sua sorte nas casas de jogo. O viajante francês assiste ainda à festa de S. José, visita a Gruta de Camões, acreditando que o bardo, escondido das intrigas da corte portuguesa e dos inimigos, aí redigira Os Lusíadas, referindo o final do tráfico de cules a partir de Macau, onde a cultura francesa é apreciada, o que agrada ao autor, que termina o relato da visita com uma apreciação do império português e da forma diferente como os ingleses e os portugueses se relacionam com os chineses, pois os britânicos usam a força e os portugueses a diplomacia. Bousquet deseja, por simpatia para com os portugueses de Macau, que essa cidade se torne, de novo, a glória do império português, preferindo a acção dos lusos no enclave, há cerca de dois séculos, à dos ingleses, durante trinta anos, em Hong Kong, sendo os primeiros mais dóceis do que os últimos. Bibliografia: BOUSQUET, Georges, Le Japon de nos Jours et les Échelles de l’Extrême Orient, 2 vols., (Paris, 1877); BOUSQUET, Georges, Agents Diplomatiques et Consulaires, (Paris, 1833); TISSOT, Victor, La Chine d’après les Voyageurs les plus Récents, (Paris, 1885); DIAS, Jorge, “Macau in the Last Quarter of the XIXth Century: Comments on a Chapter of Le Japon de nos Jours”, in Review of Culture, ano 2, vol. 2, n.°s. 7-8, (Macau, Outubro de 1988-Março de 1989), pp. 76-81.
BOUSQUET, GEORGES (1846-1937)
BOUGAINVILLE, BARÃO DE ou BOUGAINVILLE, HYACINTHE YVES PHILIPPE POTENTIEN DE (1781-1846). Explorador, filho do famoso navegador Louis Antoine de Bougainville (1729-1811). Bougainville visita Macau no ano de 1825 e descreve o território no diário ilustrado da sua viagem à volta do mundo publicado em 1837 [Journal de la navigation autour du monde de la frégate La Thétis et de la corvette L’Espérance pendant les années 1824, 1825 et 1826 publié par ordre du roi sous les auspices de département de la Marine]. Na obra, o autor informa que acaba por permanecer mais tempo em Macau que o inicialmente previsto, pois apenas se dirigira ao território para aí deixar uns missionários (os srs. Voisin e Masson) e visitar o “pavilhão francês”, acabando por se alojar na casa do chefe da feitoria espanhola, Gabriel Goyenna. O explorador informa o leitor da pirataria comum nas águas próximas de Macau, adiantando que é no território que se contratam pilotos chineses para a viagem até Cantão. Em 27 de Dezembro, Bougainvillle desembarca no enclave, com vários oficiais da fragata, descrevendo as colinas, os edifícios brancos, a Praia Grande, o bairro dos estrangeiros, os conventos e os fortes. A descrição continua com as baterias de fogo nas extremidades Norte e Sul da cidade; as igrejas; as embarcações (juncos e sampanas) que “animam este quadro”. O autor encontra-se com o bispo de Macau, Francisco da Luz Chaçin, com o major Cabral de Estafique, governador interino do território, e com o padre Baroudel, procurador das missões francesas nesta cidade, “meia-chinesa e meia-portuguesa”, que poucos recursos oferece na ausência dos sobrecargas ingleses. A tripulação pernoita no edifício central das Missões francesas em Macau, igualmente descrito, e de onde partem os jovens missionários franceses para a China, e o texto apresenta ainda o estado das Missões na China, a actividade do padre Lamiot e as relações desse país com as nações europeias, informando que as vantagens comerciais de Macau são agora nulas para Portugal. A cidade, circunscrita a Oeste por colinas, encontra-se situada numa reduzida península e defendida por uma fortaleza no monte. Devido à sua localização geográfica, Macau rapidamente se tornara um dos maiores mercados asiáticos até o poderio do Estado da Índia começar a decair. O viajante refere a humilhação dos portugueses ao submeterem-se aos desígnios das autoridades mandarínicas que, por sua vez, nunca deixaram que a bandeira inglesa substituísse a portuguesa em Macau, nomeadamente quando da tentativa de ocupação militar de 1808. O texto refere o comércio inglês de ópio e a difícil situação económica de Macau, que apenas retira dividendos do ópio vindo de Goa. Os fortes da cidade são “pobres”, pois a defesa da mesma está mal pensada uma vez que na cidadela não existem nem fontes nem cisternas e a velha artilharia é composta por vinte calibres diferentes. Os soldados são homens “de cor” oriundos de Goa e Macau que pertencem ao batalhão do príncipe regente recentemente criado para defender a guarnição, sendo os oficiais filhos da terra, ou seja, as defesas do enclave consistem em dois fortes, um numa montanha, e outro à entrada do porto; três redutos que cobrem a baía e a cidadela, todos em mau estado. Os portugueses não têm um único barco armado na baía. O explorador visita ainda os jardins (criados pelo sobrecarga da Companhia das Índias inglesa, W. Robert), que, em 1825, pertenciam ao português Sr. Pereira, e a Gruta de Camões, descrevendo-a juntamente com o “quiosque” construído no topo da mesma, ao lado da actual Casa Garden, em que, como refere, se alojara Lord Macartney quando da sua embaixada à China (1793-1794). São ainda apresentadas as diferentes vistas do jardim (os telhados da cidade chinesa; o porto; as montanhas e o rio), comparando o autor as aldeias chinesas, ao longo do rio e com altas torres de pagodes, com as aldeias europeias encimadas por torres sineiras. O texto refere o estabelecimento dos portugueses no território há cerca de dois séculos e meio, após a derrota de uma frota de piratas, façanha agradecida pelo imperador que lhes cede Macau. Relativamente ao governo da cidade, existe, para além do governador, um mandarim chinês que vigia o primeiro e governa a população chinesa, descrevendo o texto os negócios dos ingleses em Cantão e Lintim, a Porta do Cerco e o “grande pagode de Macau […] construído próximo da aldeia da Casa-Branca”, com os seus bonzos, sinos e figuras de culto – longamente apresentados também através de gravuras que ilustram o texto –, tal como trajes, pescadores, lojistas e comerciantes, concluindo com a síntese: “Macao […] cidade fronteira e de comércio marítimo”. Bibliografia: BOUGAINVILLE, Baron de, Journal de la Navigation autour du Monde de la Frégate La Thétis et de la Corvette L’Espérance pendant les Années 1824, 1825 et 1826 Publié par Ordre du Roi sous les Auspices de Département de la Marine, 2 vols., (Paris, 1837); BOUGAINVILLE, Baron de, Atlas. Journal de la Navigation autour du Globe de la Frégate la Thétis et de la Corvette l’Espérance, Archival Facsimiles, (Alburgh, 1987); RIVIÈRE, Marc Serge (ed.), The Governor’s Noble Quest: Hyacinthe de Bougainville’s Account of Port Jackson, (Carlton South, 1999); Sabix : Bulletin de la Société des Amis de la Bibliothèque de l’École Polytechnique, n.° 31: Hyacinthe de Bougainville 1781- 1846, (Abril de 2002).
BOUGAINVILLE, BARÃO DE ou BOUGAINVILLE, HYACINTHE YVES PHILIPPE POTENTIEN DE (1781-1846)
Personagem: | Cleveland, Lucy Hiller, 1780-1866 |
Fonte: | Dicionário Temático de Macau, Volume I, Universidade de Macau, 2010, p. 346-347. ISBN: 979-99937-1-009-6 |
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