“Hoje 23 de Fevereiro de 1728 se passaram de S. Paulo os Padres da Vice-Província (da China) para esta nova casa de S. José por ordem do Reverendo Padre V. Provincial João de Sá”. Começa assim a descrição do Seminário Diocesano de São José de Macau. A primitiva Casa de S. José foi doada aos padres jesuítas por Jorge Miguel (Cordeiro?), comerciante, cristão arménio, que a construiu para si e para o seu irmão, no ano de 1622. O Colégio de S. Paulo ou S. Paulo, o Grande [Tai Sam-Pa (Dasanba 大三 巴)], como o povo costuma, ainda hoje, identificá-lo em chinês, encontrava-se demasiado absorvido, sobretudo com as missões do Japão. Tendo-se aberto as portas da China e sendo Macau a verdadeira porta da Cruz [Sap Chi Mun (Shizimen 十字門)] para a China, tornou-se necessário fundar um outro centro de formação para missionários, que se dedicassem à missionação da China. A primitiva casa ou a Residência de S. José ficava situada no Monte do Mato Mofino, e bem cedo passou a ser conhecida entre o povo por S. Paulo, o Pequeno [Sam-Pa Chai (Sanbazai 三巴仔)]. Começou então a construção do enorme edifício do Seminário, de início de dois andares. No dia 10 de Outubro de 1746, foi benzida a pedra dos fundamentos da Igreja do Seminário, dedicado a S. José, como se pode ler na placa de bronze descoberta nas obras de restauração da Igreja, além da lápide de mármore que D. João de Deus Ramalho, S.J. (1890-1958) mandou colocar na fachada: “D.O.M. / No dia dez de Outubro do ano da Natividade de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1746 / dia dedicado a S. Francisco de Borja da Sociedade de Jesus / Bento XIV, reinante da Sede Romana / Sob os auspícios / do Potentíssimo Rei dos Lusitanos, o Senhor D. João V / Esta lápide / o primeiro fundamento estável de granito da Igreja dedicada a S. José / foi sagrada / pelo Exmo. e Revmo. D. Frei Hilário de S. Rosa, Bispo de Macau. / Iniciou a obra / o Padre Luís de Sequeyra, Vice-Provincial da Vice-Província / Chinesa da Sociedade de Jesus / Dirigiu / o Irmão Francisco Folleri da mesma Sociedade de Jesus / Reinava no Império Chinês / Kien Lum (Qianlong 乾隆), o quarto Imperador da Dinastia Tártara / Ocorria o vigésimo sexto dia / da oitava lua do décimo primeiro ano do seu império”. O conjunto dos edifícios foi inaugurado em 1758. Em 1803 foi decorado e remodelado, e restaurado em 1903, 1953, 1993 (edifício antigo) e 1999 (Igreja). No ano de 1730, já se escrevia que os alunos do Seminário de S. José, de recente fundação, vestiam à europeia para iludir a perseguição dos mandarins, devido à proibição dos ritos chineses, por ordem do Imperador Yongzheng 雍正 (1722-1735). Pouco nos legou a história dos seus primeiros trinta anos de vida, em que o Seminário esteve sob a direcção dos jesuítas. Há que destacar a figura de Padre Luís de Sequeira (1693-1763), a alma mãe da construção do Seminário, da sua organização educativa, homem sensível às necessidades do povo. Em 31 de Outubro de 1733, o Seminário, ainda em construção, acolheu o pedido do Senado em abrir um celeiro de arroz à sua custa e sob a sua administração, para socorrer as necessidades do povo. Em 2 de Abril de 1762, foi transmitido a Macau o Decreto Régio de 3 de Setembro de 1759, da expulsão dos jesuítas, e todos os seus bens em Macau passaram para a Diocese: o Colégio de S. Paulo, o Seminário de S. José, e a Igreja da Madre de Deus com o seu cemitério. Os jesuítas foram expulsos do Seminário, em 5 de Julho do mesmo ano. D. Frei Alexandre de Gouveia, bispo eleito de Pequim 北京, chegou a Macau em 28 de Julho de 1784, enviou um ofício a Martinho de Melo e Castro, então Secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos, onde, entre outros assuntos, solicita para que a Rainha D. Maria I providencie a criação de um Seminário. É atendido pelo ofício e põe em execução a carta régia de D. Maria I, de 13 de Abril do mesmo ano (1784), podendo optar pela sua localização para a criação de um Seminário ou no Colégio de S. José ou de S. Paulo. Em 9 de Setembro de 1784, estabelece-se o Seminário Régio e Episcopal de Pequim 北京, no Colégio de S. José. Frei Alexandre de Gouveia, depois de o consertar e equipar, elaborou o primeiro regulamento conhecido. O Seminário reabre com oito alunos e três professores, em 1 de Outubro de 1784, sendo reitor o Padre Manuel Correia Valente, proveniente do Seminário de Goa. Leccionava-se gramática, matemática, línguas latina e chinesa, retórica, filosofia, teologia dogmática e moral. Alí se formou um brilhante viveiro de missionários chineses e portugueses. Em 1811, escrevia o seu reitor, Padre Nicolau Rodrigues Pereira de Borja: “Bem se pode afirmar que desde a instituição deste Seminário, quase se não há ordenado sacerdote nesta cidade, que em tudo ou em parte não deva sua educação e ensino ao mesmo Seminário, fora outros que aqui se educaram, que não seguem o estado eclesiástico, sendo este o único lugar de educação nesta cidade”. Já em 1785, D. Frei Alexandre de Gouveia tinha sugerido ao Secretário de Estado de D. Maria I, que “dê à Congregação de S. Vicente de Paulo a Casa de S. José” na capital chinesa, e o Seminário da mesma invocação em Macau. Só em 1801 é que os padres lazaristas receberam as duas casas, com os ditos bens, até 1854. Em 1820, no declínio do absolutismo, Macau “possuía as seguinte casas de instrução: […] Um Seminário– Colégio (de S. José), com seis professores. Ensinavam- se aí, além de ler, escrever e contar, e ainda a música. Havia no colégio cadeiras de retórica, filosofia e dos estudos eclesiásticos, além da escola de matemática que regia o sr. (D. Joaquim) Saraiva, bispo de Peking”. Durante este período (1784-1845), e sob a direcção dos padres lazaristas formaram-se trinta sacerdotes, sobressaindo as seguintes figuras: 1. O mais abalizado sinólogo português, Padre Joaquim Afonso Gonçalves (1781–1841), autor de cerca de 10 monografias, entre gramática, vocabulário, dicionários e estabelecendo ligação latino-chinesa e luso-chinesa. Foi também um eminente músico. Os seus restos mortais estão depositados na parede direita da fachada do Seminário. 2. Padre João Gabriel Perboyre (1802-1840), francês lazarista, que sofreu o martírio em 11 de Setembro de 1840 em Ou-Tchang, na China. Foi beatificado em 1889 pelo Papa Leão XIII e canonizado em 2 de Junho de 1996, pelo Papa João Paulo II. Aprendeu chinês com o Padre Joaquim Afonso Gonçalves. 3. Jerónimo José da Mata (1804-1865) que chegou a Macau em 24 de Outubro de 1826, concluiu os estudos no Seminário e foi ordenado sacerdote em 1830 e sagrado bispo em Macau em 1845. Foi o primeiro bispo (1845-1862) de Macau que completou os seus estudos no Seminário. 4. O Padre Joaquim José Leite (1762-1852), que chegou a Macau em 20 de Maio de 1801 e faleceu a 25 de Junho de 1852. A ele se deve não só a organização e actualização do antigo arquivo da Reitoria, mas também do Seminário. Foi autor também de um “Diário”, fonte fundamental para a história do Seminário deste período. A publicação do Decreto de 30 de Maio de 1834, de extinção das ordens religiosas masculinas em Portugal, e aplicado a Macau em 1836, afectou gravemente o Seminário. Bem tentaram os lazaristas socorrer-se de todos os meios para manter o Seminário, mas em vão. Em 1845, o Seminário foi suspenso e os alunos foram distribuídos pelos diferentes vicariatos da Congregação dos Lazaristas, na China. Pela Carta de Lei de 12 de Agosto de 1856, determinando a reorganização dos seminários no Ultramar, D. Jerónimo de Mata reabre o Seminário, a 20 de Dezembro do mesmo ano, nomeando para reitor o Deão Manuel Lourenço de Gouveia, com a regência das aulas de teologia dogmática, moral e filosofia racional, sendo coadjuvado pelo Padre António Bernardino Barroso na regência do latim, português e chinês. A inauguração deu-se em 27 de Abril de 1857. Em 27 de Junho de 1857, é anexa ao Seminário a Escola Pública, por ordem do Governador Isidoro Francisco Guimarães, sendo esta administrada pela Câmara Municipal. Neste mesmo ano, o Bispo de Macau, D. Jerónimo José da Mata, nomeia uma comissão presidida pelo reitor para a elaboração de um inventário dos bens do Seminário, bem como das Missões do Real Padroado e a sua respectiva organização. Devido ao comércio, sobretudo com o Japão, e sentindo necessidade de formar navegadores, foi criada, por Carta de Lei de 5 de Julho de 1862, a “Escola de Pilotagem”, no Seminário. Neste mesmo ano, é publicado um novo regulamento do Seminário, com um plano geral de instrução, que diz respeito aos alunos que não se destinam ao estado eclesiástico. A instâncias do reitor, o Bispo D. Jerónimo recruta os jesuítas Francisco Xavier Rôndina e José Joaquim de Fonseca Matos, como professores do recém-aberto Seminário. Com estes dois excelentes professores, juntamente com o Padre Faria, Padre José Martinho Marques, Padre Tomás Cahil, minorista António Lopes, em breve espaço de tempo o Seminário conheceu uma nova época de esplendor. O reitor notifica, a 25 de Setembro de 1862, o Ministro da Marinha e Ultramar: “O número dos alunos internos é por enquanto 41, sendo todos pensionistas, excepto sete jovens chineses de Cantão que foram recebidos por conta do Fundo das Missões. Os externos são para cima de 150, andando assim uns e outros por 200, distribuídos todos pelas aulas de 1as letras, português (1.ª e 2.ª classe), latim, francês, inglês, elementos de matemática, história e geografia, filosofia racional, moral e física, para não falar nas aulas acessórias como música, etc.” Em 1864, os pensionistas e externos ascendiam a 216, e em 1870 matricularam-se 377 alunos, entre os quais o futuro marechal Gomes da Costa, que aí completou a instrução primária. Nas suas memórias, marechal Gomes da Costa diz: “As recordações que tenho do Seminário são excelentes: os professores, quase todos padres, eram bons para nós e os recreios alegres numa vasta cerca com grandes árvores”. A 20 de Setembro do mesmo ano é criado, no Seminário, o Liceu “em que recebam instrução secundária os indivíduos que não se destinarem ao estado eclesiástico”. O Decreto de 20 de Setembro de 1870, assinado pelo Marquês Sá da Bandeira, empenhou-se em reorganizar e remodelar os estudos no Seminário, mas foi algo fatal para o mesmo, pois obrigou os professores estrangeiros, sacerdotes de inegável competência literária e intelectual, entre os quais o Padre Rondina, a abandonar o Seminário. Deste período, há que salientar a figura do Padre Francisco Xavier Rondina (1827-1897), homem de elevada eloquência, de cultura invulgar, escreveu para os alunos um tratado de filosofia racional, em português, sendo ele italiano, abriu o asilo dos órfãos no Seminário, introduziu em Macau os exercícios espirituais para os jovens e os seculares, promoveu romarias à sepultura de S. Francisco Xavier, e dotou o Seminário de bons professores, nomeadamente de arte, como o pintor Ferreira e o maestro Luigi Antinori. Em reconhecimento da sua obra de educação, a Câmara resolveu, em 1871, colocar- lhe um retrato na sala de entrada do Leal Senado. Em 18 de Agosto de 1871, chega o governador do Bispado, Dr. Padre António Luís de Carvalho, trazendo consigo uma equipa de nove novos professores para o Seminário, dentre eles havia um só sacerdote. Depressa o nível de ensino baixou. Diz o Padre Videira: “os alunos registados foram 360, mas o ensino fracassou, porque o estudo de línguas e de matemática era insuficiente, as férias aumentaram para 3 meses e omitiram-se geografia, história e escrituração comercial. Os alunos alcançavam diplomas que de nada lhes valiam, para obter colocação ou continuar os estudos.” O Bispo. D. Manuel Bernardo de Sousa Enes, eleito em 1873 e confirmado em 1874, nomeou governador do Bispado, o Deão Manuel Lourenço de Gouveia; este, por sua vez, nomeou para reitor o Padre António Joaquim de Medeiros, que substituiu, com cinco missionários vindos de Cernarche do Bonjardim, a equipa anterior. Muitos jovens macaenses internaram- se no Colégio, outros matricularam-se como externos. O Padre Medeiros, no seu discurso de 10 de Setembro de 1876, informa que havia 16 seminaristas, 2 teólogos, e entre eles contavam-se 5 timorenses e 4 chineses. Este novo alento pouco durou, devido à instalação, em 2 de Janeiro de 1877, no Seminário, do próprio Bispo Enes, de carácter pouco conciliador, e, com a nomeação do seu sobrinho como vice-reitor do Seminário, o Padre Francisco Teixeira Soares de Sousa Enes, os professores começaram a debandar. Por Decreto Régio de 22 de Dezembro de 1881, o Seminário de S. José foi reorganizado com o nome de “Seminário- Liceu de S. José de Macau” e a ele anexadas as aulas do ensino comercial. Já em 1872, foi acordado, entre a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses e o Seminário, o funcionamento neste de um curso comercial, onde se leccionava aritmética, arte de guardalivros, operações bancárias, língua chinesa, cantonense e mandarim, falada e escrita. O bispo, D. António Joaquim de Medeiros (1884-1897), confiou novamente o Seminário aos jesuítas, em 17 de Março de 1890, mas a reitoria só lhes foi entregue, a seu pedido, em 18 de Abril de 1893, na pessoa do Padre João Gonçalves. O Seminário conheceu nova época de esplendor até à expulsão dos jesuítas, por Decreto de 8 de Outubro de 1910, com a implantação da República. Acerca deste período, o Padre Alves da Silva escreve, em 1907: “Os estudos, então, e toda a economia do Seminário começaram a ter uma nova orientação; estes padres pelo ascendente moral e virtude e amor ao estudo, como não tinha havido antes, resultando daqui muitos pedirem para seguir o estado eclesiástico, e achando-se outros inclinados a abraçar a carreira dos seus próprios preceptores; donde resultou um novo estado de coisas que fazia antever um futuro muito semelhante ao dos primeiros tempos deste estabelecimento”. Com a saída dos jesuítas, os padres seculares assumiram o Seminário. Durante este período, os padres seculares deram o seu melhor e não se notou uma descida a nível de ensino. Basta dizer que, em 1909-1910, os alunos matriculados foram 285 e, em 1924-1925, subiram para 533, sendo 105 internos e 428 externos e os seminaristas 62. Funcionaram, ao longo dos 20 anos seguintes, diversos cursos: curso teológico, curso filosófico, curso comercial em inglês, curso preparatório em por tuguês e em chinês e instrução primária. Deste período, destaca-se a grande figura do hábil maestro italiano Ferdinando Maberini (1886-1956), o percursor da música religiosa chinesa da era contemporânea, o Professor António da Silva Rego, incansável investigador da história missionária portuguesa do Ultramar, Monsenhor Manuel Teixeira, exímio compilador da história de Macau, além de muitos outros. Em Agosto de 1930, tomou posse de reitor o Padre António Maria Alves S.J., a convite do Bispo D. José da Costa Nunes (1920-1940), sendo a direcção do Seminário entregue novamente aos jesuítas. Em 1931, o Padre António Roliz, S.J., zeloso missionário e educador, vendo a necessidade urgente de educar os jovens chineses externos, obteve autorização superior para fundar o Colégio de São José, dependente do Seminário. Foi seu primeiro director o reitor do Seminário. Em 1936, D. José da Costa Nunes acabou com o curso comercial e, a 18 de Maio de 1938, fechou as portas aos externos, reservando o Seminário aos candidatos à vida eclesiástica, conforme as normas emanadas pela Santa Sé. Normas estas que deram autonomia ao Colégio de São José para se constituir como Colégio independente do Seminário. Em 1999, estavam matriculados neste Colégio perto de oito mil alunos, nos seus seis estabelecimentos. A 29 de Dezembro de 1939, foi nomeado reitor o padre secular Abílio José Fernandes. A 3 de Janeiro de 1940, os jesuítas deixaram definitivamente o Seminário, por falta de pessoal, continuando apenas a auxiliar no ensino e na direcção espiritual. A pedido de muitos pais, que sentiram a falta de qualidade de ensino na área das humanidades, o Cónego Dr. Fernando Herberto Leal Maciel, reitor (1944- 1952), reabriu o externato para os portugueses. Constava dos cursos de instrução primária e secundária e funcionava no edifício n.° 1 da Rua da Prata. Nestes dois últimos períodos, a vida do Seminário desenvolveu- se regularmente. Em 1952, o Seminário contava com 250 alunos, nos seus cinco cursos. Em 1966, viviam no Seminário 70 seminaristas e 16 padres-professores. Funcionava no Seminário um curso de teologia de quatro anos, filosofia de três anos, ambos dados em latim, um curso de humanidades em português e outro em chinês, além de um curso superior de literatura chinesa. Com a Revolução Cultural Chinesa e os acontecimentos de 3 de Dezembro de 1966, o Bispo D. Paulo José Tavares, em 1967, dispersou os seminaristas dos cursos de teologia e filosofia por Hong Kong, Roma e Portugal. O Seminário fechou as suas portas em 1972. Ainda hoje sofremos as consequências desta decisão. Desde 1872 até 1985, além dos colegiais, externos e órfãos, o Seminário acolheu 1.045 seminaristas, dos quais 212 completaram aqui os estudos eclesiásticos e receberam a ordenação sacerdotal, sendo 73 naturais de Portugal, 52 de Macau, 42 da China, 17 de Timor, 16 de Hong Kong, e o restante de diversos países. Nos últimos sessenta anos, o Seminário deu à Igreja seis (6) bispos. [L.L.D.]
Bibliografia: TEIXEIRA, Padre Manuel, Macau e a sua Diocese, 16 vols., (Macau, 1940-1979); SILVA da, Beatriz Bastos, Cronologia da História de Macau, 5 vols., (Macau, 1992-1998).

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Data de atualização: 2023/05/17