
Informações relevantes
Data de atualização: 2020/09/04
Surgimento e mudança da Ribeira Lin Kai de San Kio
Macau e a Rota da Seda: “Macau nos Mapas Antigos” Série de Conhecimentos (I)
Escravo Negro de Macau que Podia Viver no Fundo da Água
Que tipo de país é a China ? O que disseram os primeiros portugueses aqui chegados sobre a China, 1515
Data de atualização: 2020/09/04
Diversos são os moluscos que produzem uma secreção concêntrica a que se chama pérola. Segundo o conde de Ficalho, as pérolas finas do Oriente referidas por Garcia da Orta “formam-se unicamente na espécie Meleagrina margaritifera, Linn”. Ficalho destaca, ainda, a exactidão das referências aos nomes indicados nos Colóquios dos simples (de 1563), como: perola (português) ou perla (castelhano), unio e margarita (latim), e aljofar (castelhano e português), lulu (do àrabe), muti e mutu (respectivamente do hindustani e do tamil, derivando ambos do sânscrito). O comércio de pérolas tinha, na China, uma relevante importância económica, quer a norte quer na costa sudeste. A norte, nomeadamente as tribos Jurchen, da Manchúria, no século XVI, reforçaram o seu poder político através do controlo do comércio das pérolas, para além de idêntico domínio do comércio das peles, dos minérios e do ginseng (renshen 人參). A Macau chegavam, essencialmente, pérolas provenientes da ilha de Ainão (Hainan海南) e do rio de Cantão, o qual é igualmente conhecido por rio das Pérolas. Macau e os portugueses eram abastecidos pelos célebres pescadores de pérolas, maioritariamente pertencentes aos Tanka (Danjia 疍家), população que reside continuamente nos barcos (por isso, eram chamados de Chuanmin 船民). Em alguns períodos históricos, parte desta população integrou os famosos bandos de pirataria do litoral sul da China, nomeadamente enquadrada num apoio à dinastia Ming 明 (do Sul) contra a vencedora dinastia Qing 清e o governador Shang Kexi 尚可喜, por estes nomeado para a província de Guangdong 東 A documentação quinhentista ou seiscentista portuguesa, quando se refere a pérolas de dimensões reduzidas (até um quilate), designa-as, por vezes, de aljôfar, termo que deriva do árabe aljauhar. Nome este reflectindo, possivelmente, que o principal agente de difusão na Europa, destas pérolas pequenas, eram os árabes. O Livro do que viu e ouviu no Oriente Duarte Barbosa, redigido em Cananor,entre 1511-1516, refere a distinção entre pérolas e aljôfar, explicando qual o critério habitual: “Este aljôfar, sendo de quilate para cima chamamos pérolas”. Prossegue o autor: “O aljôfar nasce em umas ostras pequenas, lisas por cima, não tão ásperas como as de nossas partes; quase querem parecer como mexilhões”. Quanto ao processo de formação da pérola, é interessante constatar que, se por um lado Duarte Barbosa erra ao indicar uma gota de água da chuva como o agente que precipita a formação da pérola, por outro lado, revela uma compreensão muito aproximada do processo de formação da pérola, descrevendo que o molusco forma à volta desse elemento estranho, o qual é simultaneamente o agente que virá a constituir-se numa pérola: “E as gotas que acertam de cair entre a casca e a carne se fazem meios grãos, a saber: pegam na dita casca, ali ficam desfalecidos e donde lhe toca a carne se fazem perfeitos e orientais e redondos, e da gota que acerta de cair dentro da na carne o grão é perfeito”. Duas outras informações interessantes são referidas por Duarte de Barbosa: a primeira reside no nome de “china”, que em Malaca se dava a uma unidade de peso para o aljôfar menor de um quilate: “Dali para baixo se vende por uma conta que os Chatins do Malabar chamam china”; a outra, informa-nos da utilização medicinal do aljôfar: do mais “miúdo que senão pode furar fazem também mercadoria para as boticas”. Desde o período inicial da abertura da rota do Cabo que as pérolas fazem parte da carga das naus. Em 1505, chegaram a Lisboa 750 onças (correspondendo a 21, 5 kg) de aljôfar, no valor de 4 000 cruzados. Duarte Gomes de Solis refere, em 1622, que contribuíu para o desenvolvimento do comércio de pérolas, a partir de 1593. Quando a nau portuguesa Santiago é pilhada pelos holandeses, em 1602, na ilha de Santa Helena, levava a bordo meio milhão de cruzados de pérolas. Gomes de Solis refere, ainda, que o comércio das pérolas propiciava lucros da ordem de 200% a 300%. Vitorino Magalhães Godinho, baseando-se ainda em Gomes de Solis, refere que “no século XVII produziu-se neste trato uma inversão de causar espanto. O preço das pérolas, safiras, rubis, esmeraldas e outras pedras preciosas subiu a tal ponto no Oriente que a Europa desatou a reenviar aquelas que recebera, e isto com lucros de 100% ou 200%”. Tomé Pires, cerca de 1512-1515, identifica correctamente a ilha chinesa de Hainan entre os principais produtores, dizendo: “Ho aljoufar nasce nestas partes em Dalac, em Baharem, em Ceylão e em Hainan”; e localizando-a: “Hainam sam ilhas entre o Reyno de Cauchi [Cochinchina] e a China. Ho [aljôfar] mais alvo he da China, o milhor de Ceylão, o mais redondo de Baharem, mais ouriental e geralmente todo igual, em Dalac há pouca coisa”. A enorme produção de pérolas da ilha chinesa de Hainan海南 é destacada, em 1562, por Amaro Pereira, viajante português preso na China: “em Ainão ai adonde tirão mais aljofar do que tirão em Ceilão ou Pescaria”. Entre as encomendas mais célebres de pérolas encontram-se as da Casa real portuguesa, logo em 1531, uma missão com directrizes da rainha Dona Catarina (casada com D. João III), dirigira-se ao Oriente. Em 1548, sabemos através da “Quitação que a rainha D. Catarina mandou passar a Francisco Velas ques, fidalgo da Casa de Elrey, que foi seu guarda jóias no ano de 1548”, que o tesouro da rainha já possuía uma imensidão de produtos de origem oriental e chinesa, em particular. Entre os quais se contam: um “grão de almiscar”, e alguns leques, “abano de marfim guarnecido d’ouro”, mais 5 “guarnições de abanos”, e 11 porcelanas. Quanto a pedras preciosas e jóias, são registadas, nomeadamente: 2178 pérolas “dous mil e cento e setenta e oito grãos d’aljofar grosso” num grupo, e mais 1088 pérolas e 6 “arrecadas com pérolas”. Garcia da Orta, ao referir-se ao aljôfar, confirma a utilização medicinal que certos povos lhe dão: “e nas mézinhas usam deste aljofar os Gentios algum tanto, porém os Mouros usam muito dele em todas as mézinhas cordiaes, asi como nós usamos”. Orta confirma a informação de Duarte Barbosa sobre a utilização farmacológica:“o aljofar que he tam meudo, que se nam póde furar, vendem-no para botica”, acrescentando que este é igualmente levado para Espanha, e revela-nos o seu preço, cerca de 1563, “val uma onça menos de hum vintem”. Na realidade, as pérolas foram usadas na farmacopeia europeia durante muitos séculos, como anti-ácido, entrando gradualmente em desuso na Época Moderna. Linschoten ao escrever antes de 1596 as suas memórias de viagem pelo Oriente, refere que a China exporta “muitas pérolas e aljôfar que vêm da ilha e província de Ainão”. Cerca de 1635, diz-nos o cronista António Bocarro, na sua Descrição da Cidade do Nome de Deus na China, que “As pérolas de Aljofres lhe [o rei da China] importam os direitos cada ano dois milhões e seiscentos trinta mil taéis”. Antes do final do ano de 1642, o procurador geral da província jesuíta do Japão, Padre António Francisco Cardim, não se esquece de referir a importação de pérolas como uma vantagem económica para Portugal, expressa na sua carta memorial a D. João IV (1604-1656), na qual, para quebrar o cerco económico a Macau, defende o envio de uma embarcação à China para restabelecimento do comércio e conservação da cidade. Assim, entre as várias vantagens para Portugal, apresenta igualmente a vantagem mercantil e económica, ao permitir a importação directa para Portugal de “gengivre o melhor do mundo, feito em conserva ou ralado, pao seco, e em conserva, e feito marmelada, muito beijoim, aguila, calamba, cravo, cinarromo, louça fina, toda a sorte de seda lavrada, e por lavrar, dourados, almiscar, ruby, perolas, aljofar, e outra muita fazenda”. D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho refere-nos, em 1779, as características que os aljôfares ou pérolas pequenas devem ter: “Na China pagão bem este género, porém não as querem furadas, comprão-nas a pezo, e conforme o seu pezo, e seu feitio he que lhe dão o valor, que quanto maior for a pérola, maior valor tem, sendo perfeita”. Acrescenta, ainda, que devem ser “bem redondas, pezadas e transparentes” e sem manchas. Por ser um produto precioso, a procura de um lucro maior leva à produção de muitas pérolas falsas: “Fazem-se na China muito similhantes aos verdadeiros, ha duas qualidades delles, huma melhor que a outra. Os da China destinguem seu tamanho por pontos, e por esta razão os finos tem menos numero de pontos”. Assim, o autor prossegue explicando o preço destas pérolas, segundo a sua qualidade: “De 2, 3, 4 e 5 pontos custa cada 100 mil Aljofares com o gasto do Aypu que he alfandega, 5 taes e 5 mazes. As de 7 e 8 pontos custão 8 taes e 5 mazes, as de 9 pontos custão 10 taes, as de 11 e 12 custão 55 taes, as de 10 custão 40, as de 13 e 14 custão a 60 taes, isto bem entendido cada 100 mil”. Quanto à exportação de aljôfar, é-nos referida a receptividade do mercado: “Na Costa do Coromamdel tem boa sahidaas de 3 a 9, porém gastão-se mais [as] de 3 a 6 pontos.Em Bombaim tem boa sahida as de 7 a 14 pontos, masas de 10 a 14 tem melhor sahida do que de 7 a 14”. As pérolas chinesas alimentam ainda hoje um intenso comércio, sendo as mais perfeitas cobiçadas pelo comércio internacional. [R.D’Á.L.] Bibliografia: AHMAD, Afzal, Os Portugueses na Ásia (Lisboa, ….); BARBOSA, Duarte, Livro do que Viu e Ouviu no Oriente, (Lisboa, 1989); BOXER, Charles R., Macau na Época da Restauração, (Macau, 1942); CORTESÃO, Armando(ed.), A Suma Oriental de Tomé Pires e o Livro de Francisco Rodrigues, (Coimbra, 1978); GODINHO, Vitorino Magalhães, Os Descobrimentos e a Economia Mundial, 4 vols., (Lisboa, 1982-1985); DÍNTINO, Raffaella (ed.), Enformação das Cousas da China, (Lisboa, 1989); LINSCHOTEN, Jan Huygen van, Itinerário, Viagem ou Navegação deJan Hugen van Linschoten para as Índias Orientais ou Portuguesas, (Lisboa, 1997); ORTA, Garcia da, Colóquios dos Simples e Drogas da Índia, 2 vols., (Lisboa, 1987); SOLIS, Duarte Gomes de, Discursos sobre los Comercios de las dosIndias donde se Tratam Materiais Importantes de Estado y Guerra, (Lisboa, 1944).
PÉROLA(S)
Mineral de cor vermelho escuro, transparente e brilho adamantino, variedade do corindo (do prov. rubindi, do lat. médio rubinu). Garcia da Orta (c. 1501- 1568), ao publicar os Colóquios dos Simples e drogas da Índia, influenciou vários autores nacionais e estrangeiros (como Linschoten), no que se refere aos rubis, pois alertou imediatamente para a variedade de espécies de pedras preciosas e semipreciosas que recebiam a designação de rubi: “debaixo deste nome de rubim, se cotem muitas espécies, e a mais principal se chama em grego antrax, e em latim carbunculus”, que quer dizer “brasa acesa”. Duarte Barbosa (c.1480-c.1548), ao escrever em Cananor, cerca de 1516, O Livro do que viu e ouviu no Oriente Duarte Barbosa, alerta-nos para o grau de pureza necessária aos rubis: “não hão-de ter rasa nem menos calcedónia nem coisa nenhuma que estorve sua beleza. Para os conhecerdes haveis de lhe pôr a ponta da língua, e o verdadeiro será muito frio e muito rijo. Se o tocardes para ver se é limpo pegai- -o em cera pela ponta mais delgada e ponde-o entre vós e o ar e ali vereis sua limpeza”. Quanto à forma da sua extracção, Barbosa diz-nos que “Os quais rubis se acham debaixo da terra, em covas muito altas que fazem os que buscam, por entre as montanhas. Em a qual terra do Pegu os limpam e não lavram. Dali se estendem por todo o mundo a vender”. Quanto aos seus preços em Calecute, cerca de 1516, Barbosa indica para “4 rubis muito finos que pesam um fanão valem vinte fanões [moeda de ouro na Índia]; […] um muito bom rubi que pesar um fanão vale cento e cinquenta fanões”. O holandês Jan H. van Linschoten diz-nos que “Há muitas espécies de rubis, e os melhores são os chamados carbúncolos, que são os rubis que ultrapassam os 25 quilates, os quais muito raramente se encontram. Os melhores rubis, que têm as melhores cores e águas, chamam-se na Índia toques e assemelham-se aos carbúncolos”. Esta informação de Linschoten fora bebida em Garcia da Orta, que já escrevera sobre estes toques, dizendo que seria a qualidade superior de rubi e que “o mais caro que eu vi foy hum que diziam valer 20 mil cruzados [ou 43 mil reis de então]. Jan Huygen van Linschoten observa que o”rubi não é vendido a peso, e isso porque não tem espessura fixa”, dependendo da jóia em que será montado e do efeito pretendido. Quanto à sua avaliação, refere “Se um rubi for totalmente perfeiro, tanto na cor, na pureza e na espessura, como no lavor e na feição, vale 100 ducados. Mas poucos há que sejam totalmente perfeitos, principalmente quando são grandes, pois têm sempre quaisquer falhas ou defeitos dencobertos e dissimulados. […] Por isso diremos, para fazermos os nossos cálculos, que um rubi que no aspecto geral é considerado perfeito e bom, vale 70 ducados”. Alguns autores quinhentistas e seicentistas não foram muito claros quanto à identificação da espinela e do balax, como de dois tipos de pedras, que apesar de vermelhas, são de tipo diferente do rubi. Contudo, já Garcia de Orta e Duarte Barbosa distinguiam correctamente a espinela e a balax do rubi, pois pertencem à espécie mineralógica spinela, um aluminato de magnésia, cuja cristalização se faz no sistema cúbico (como aponta o conde de Ficalho). Orta distingue-as dizendo acertadamente “porque não tem as aguas do verdadeiro rubim” e quanto à cor refere ser a espinela mais “chegada à brasa”, enquanto a cor do balax é menos intensa. O autor anónimo da “Memória das Drogas e Pedras Preciosas”, escrevendo à volta de 1560-1580, afirmava “Diguo que ay tres nomes de pedras vermelhas, he o robi que delas é a que mais se estima de melhor qualidade e preço, a espinela vem a seguir e por último a balax”. Quanto ao preço desta pedras, os autores quinhentistas eram da opinião de que valiam mais no Oriente do que em Portugal. Diz-nos Duarte Barbosa, “porque dizem que os estimão [aos rubis] mais lá na Índia”. Se entrar uma faca de aço temperado neles é porque são falsos. O autor anónimo da Memória das Drogas e Pedras Preciosas refere: “Os rubis meudos se vendem por corja que cada corja são vinte rubis”, acrescentando “em este reino val a corja deles a maior valia até hum cruzado ou quinhentos mil reis”. Quando os “rubis de cor não transparente”, não são apreciados nem utilizados como jóias, e só se empregam na medicina; “se chamão rubis pera os buticarios [por]que não tem valia nem preço” pelo que, conclui o nosso autor anónimo, não se deve investir neles “nenhum dinheiro”. Quanto à origem dos rubis, Garcia da Orta destaca a ilha de Ceilão (cuja reputação se deve, em parte, às suas pedras preciosas, sendo inclusive conhecida por Ratnadvipa – ilha das pedras preciosas). Para Duarte de Barbosa “Achão-se principalmente em um rio chamado Pegu, e estes são os melhore e mais finos”. E Gaspar Correia, concordando, destaca que são “os melhores que se achão na Índia”. [R.D’Á.L.] Bibliografia: BARBOSA, Duarte, Livro do que Viu e Ouviu no Oriente, (Lisboa, 1989); CORREIA, Gaspar, Lendas da Índia, 4 vols., (Porto, 1975); ORTA, Garcia de, Colóquios dos Simples e Drogas da Índia, 2 vols., (Lisboa, 1987); LINSCHOTEN, Jan Huygen van, Itinerário, Viagem ou Navegação de Jan Huygen van Linschoten para as Índias Orientais ou Portuguesas, (Lisboa, 1997); SILVA, Nuno Vassalo e, “Subsídios para o Estudo do Comércio das Pedras Preciosas em Lisboa no Séc. XVI”, in Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, tm.2, (Lisboa, 1989), pp. 113-148.
RUBI
Em 1760, o Imperador Chien-Lung (高宗) impõe novos regulamentos ao comércio dos estrangeiros, o que obriga estes a buscar asilo em Macau. Todos os navios estrangeiros deviam remover as armas antes de entrar no porto de Cantão e estes não poderiam residir lá permanentemente; o negócio devia ficar concluído no fim da estação, as dívidas pagas, sem nenhum crédito até à próxima estação. Os comerciantes deveriam permanecer nas suas feitorias, podendo passear em áreas e em tempos restritos. Idem, os marinheiros. Nenhum europeu poderia entrar na cidade de Cantão. Logo que os estrangeiros tiveram conhecimento dos novos regulamentos, olharam para Macau como porto de refúgio: depois da estação comercial de 1761, a Companhia Francesa e a Holandesa vieram estabelecer-se no entreposto; seguiram-se os dinamarqueses e os suecos; os ingleses são os últimos. Ainda que o Governo da Índia proibisse a fixação dos estrangeiros nesta Cidade, Macau teve de se submeter às ordens do V. R. de Cantão, que se dizia porta-voz do Imperador. • Os chineses permitiram a fixação de estrangeiros em Macau mas o Rei de Portugal decretara em 1846 a proibição de residência e tráfego a estrangeiros em Macau. No respeito a ambas as directrizes, os de fora negociavam através de agentes portugueses e os cofres do Senado não perigaram!
Novos regulamentos ao comércio dos estrangeiros
Durante o século XVI, quando a exploração de minas de prata começou a expandir-se, a economia da China estava preparada para absorver grandes quantidades desse metal, o que conduziu a um trânsito crescente de carregamentos através do Mar da China Oriental. A prata era nessa altura principalmente necessária como moeda e o seu valor era geralmente determinado em termos de moeda corrente de cobre. Os Portugueses, ao verificarem que a China necessitava de enormes quantidades de prata, entraram prontamenteno negócio no momento certo. Num curto espaço de tempo, Macau tornou-se no principal fornecedor de prata para a economia de Guangdong 廣東, enquanto que os próprios chineses apenas se encarregaram dos mercados em Fujian 福建 e Zhejiang 浙江. Com o crescimento do comércio entre Manila e Fujian 福建, especialmente de 1580 em diante, Fujian 福建 também recebia prata, proveniente das minas da América Espanhola, através das Filipinas. Uma outra fonte de prata eram os navios que navegavam entre a Índia Portuguesa e Macau. Geralmente transportavam moedas de prata que podiam ser usadas no comércio com a China. Contudo, as quantidades de prata que esses navios transportavam para Macau nunca atingiram os elevados níveis das fornecidas pelo Japão. Durante certos períodos, por exemplo durante a segunda década do século XVII e inícios da terceira, Macau recebeu igualmente grandes quantidades de prata proveniente de Manila. Estes fornecimentos vieram numa altura em que os Holandeses já haviam ganho acesso ao Mercado japonês e em que as vendas de seda crua a Nagasáqui pelos Portugueses não estavam a correr muito bem. Contudo, próximo do fim do ciclo do comércio entre Macau e o Japão, os mercadores portugueses substituíram, como vimos, a venda de seda crua pela venda de cortes de seda, conseguindo assim obter, uma vez mais, grandes quantidades de prata do lado japonês – sem se verem na necessidade de adquirir quantidades adicionais de prata em Manila. No início do século XVII, a produção total de prata no Japão oscilava, segundo as estimativas, entre os 130.000 e os 180.000 quilogramas por ano. Alguns académicos acreditam que a produção japonesa era superior à da América Espanhola. Macau, que se encontrava profundamente envolvida no negócio da prata, desempenhou, consequentemente, durante este período, um papel significativo num dos mais importantes sectores do comércio mundial. As quantidades anuais que os navios portugueses traziam do Japão para Macau aumentaram gradualmente até atingirem mais de dois milhões de taeis, ou cerca de 75.000 quilogramas, por alturas do fecho do ciclo inicial do comércio. Isto representava pelo menos dois quintos da produção total no Japão e, possivelmente, cerca de um quinto da produção mundial. A prata era transportada em barras ou em moedas. Era muitas vezes colocada em arcas e armazenada no porão, juntamente com outras mercadorias pesadas, incluindo mercúrio, zinco, açúcar e algumas mais do género, de modo a servir de lastro ao navio. Em certos períodos, o mercúrio era enviado para o Japão ou para a América Espanhola, onde era necessário para o processo de amalgação. Isto, por seu turno, aumentava a produção de metais preciosos, incluindo a prata. Quando o comércio com o Japão e Manila chegou ao fim em finais da 3.ª década e inícios da 4.ª do século XVII, Macau viu serem-lhe subitamente cortadas as suas “fontes” de prata. Tal facto teve sérias implicações na economia de Macau. As dívidas incorridas em Cantão não podiam ser saldadas, daí que fontes alternativas de prata tivessem de ser procuradas, já que a China continuava a requerer aquele metal. Cedo, porém, a China fechou completamente as suas portas. Os Qing 清 ordenaram a proibição marítima e evacuação para o interior das terras costeiras, na esperança de que isto pusesse fim ao controlo de Zheng Chenggong 鄭成功 e dos seus leais Ming 明 sobre Taiwan 臺灣 e outras ilhas próximas de Fujian 福建. Esta evolução dos acontecimentos constituiu igualmente um rude golpe no comércio e no tráfico entre Manila e Fujian 福建, uma vez que apenas um punhado de navios conseguia escapar ao controlo Qing 清. Deste modo, durante este período, chegaram à China quantidades comparativamente pequenas de prata. A situação agravou-se pelo facto de as minas do Japão se terem gradualmente esgotado. Em breve, a prata japonesa já não circulava na China. Agora, a principal fonte de fornecimento era Manila. Macau mantinha-se ainda no comércio, mas a um nível reduzido, porque os espanhóis mandavam a maior parte da sua prata directamente de Manila para Fujian 福建. Uma vez que a maioria dos outros europeus apenas tinham à sua disposição pequenas quantidades de prata, tornou-se cada vez mais difícil para os portugueses, da segunda metade do século XVII em diante, terem acesso a este precioso metal. [R.P.] Bibliografia: ATWELL, William S., “International Bullion Flows and the Late Ming Economy”, in Past and Present, n.° 95,(1982), pp. 68-90; MOLOUGHNEY, Brian; XIA Weizhong,“Silver and the Fall of the Ming, a Reassessment”, in Paperson Far Eastern History, (September, 1989), pp. 52-78; PIRES, Benjamin Videira, A Viagem de Comércio Macau-Manila nos Séculos XVI-XIX, (Macau, 1987); SOUZA, George B., The Survival of Empire, Portuguese Trade and Society in China and the South China Sea, 1630-1754, (Cambridge, 1986).
PRATA
O vidro é conhecido na China sob dois nomes: boli 玻璃, quando é transparente ou incolor, e liuli 琉璃, quando é colorido ou opaco. Durante o século I ou II, foi pela primeira vez importado de Alexandria. Fontes históricas, como a História dos três Reinos, informam-nos que durante o século III, mais precisamente no período de 221-262, o grande fornecedor de vidros foi o Império Romano. Contudo, a partir da segunda metade do século IV, durante o reinado de Tai Wu (Daowu 道武) (Dinastia Wei Setentrional 北魏, 386-406), a China inicia a sua tecnologia do vidro a partir das informações fornecidas por mercadores do Noroeste da Índia e com base na matéria-prima extraída da montanha de Datongfu 大 同府, Província de Shanxi 山西. A qualidade do vidro produzido na China rapidamente se revelou, segundo muitos autores, superior ao importado do Ocidente. Contudo, nunca suplantou o prestígio adquirido pelas porcelanas, apesar da versatilidade do vidro, que conseguia imitar peças de cristal (Jiashuijing 假水晶), de jade e ágata. A região de Boshan 博山 (Província de Shandong 山東), rica em quartzo e cristal de rocha colorido, transformou-se no maior centro manufactureiro de produção de vidro. Ficaram famosos os chamados “vidros de Pequim”, objectos fabricados com a fusão de vidros de várias cores, sem as misturar, em combinação perfeita e harmónica. Entre as cores mais apreciadas encontra-se as do vidro claro, de tom esverdeado, com decoração em relevo de cores suaves, e do vidro claro branco-opaco, com gravuras. O grau de beleza das suas peças fez com que outras artes a tentassem reproduzir, nomeadamente através da porcelana. O grau de perfeição do trabalho em vidro dos artesãos chineses é muitíssimo elevado, levando uma obra da especialidade a afirmar que: “Todos os processos técnicos conhecidos no Ocidente para fabricação de vidro têm sido empregues na China, onde o trabalho de lavrar, gravar, cinzelar e esculpir nunca foi igualado por nenhum artista do mundo, nem mesmo pelos mestres da Boémia, no século XVI”. Num manuscrito português de 1618, refere-se o envio de Macau para o Japão de 24 peças rituais cristãs “nominas de vidrio” [com a gravação da cara de um santo]. Sabemos igualmente que em Macau se vendiam contas de vidro, e colares de vidro e ágata. O vidro foi igualmente decorado com pinturas e com esmalte. Esmaltar o vidro atingiu grande perfeição, nomeadamente sobre vidro branco e opaco, destacando-se as peças para serviço do imperador, marcadas com a expressão Guyuexuan 古月軒 [Pavilhão da Antiga Lua]. No século XIX, a difusão do ópio levou à fabricação de um novo tipo de objectos especificamente orientados para auxiliar à preparação deste produto. A expansão do hábito de fumar leva à produção de frascos de rapé e de ópio pintados com representações da Natureza, paisagens, animais, vegetais ou mesmo cenas domésticas. Entre estas, podem encontrar-se lamparinas de ópio dos finais da dinastia Qing 清, com campânula de vido, por vezes cinzelado, cujas bases podiam ser de cobre com aplicações de esmalte. Vários museus portugueses possuem peças em vidro chinês, como o Museu Nacional Machado de Castro, de Coimbra, que exibe uma colecção de frascos de rapé, um deles em vidro opaco, azul-cobalto, datado de cerca de 1750-1850, com decoração em relevo de vidro branco (Fénix e mascarões) e tampa e cabochão de coral. Os frascos para rapé obtiveram uma tal procura que se constituíram em objectos artísticos, tendo sido executados nos mais variados materiais nobres, como a laca ou a calcedónia (variedade de mineral criptocristalino fibroso do quartzo). O mencionado Museu Machado de Castro possui alguns belos exemplares, como o de calcedónia amarelada, de dois tons, com peixes em relevo no tom mais escuro, e o de laca vermelha, decorado com cenas paisagísticas e figuras masculinas em relevo, sobre corpo de metal. De entre os frascos de vidro, distinguiram-se pela sua qualidade, os de Pequim, do final do século XIX. Muitos dos frascos de vidro para rapé, ou outra utilização, eram pintados e coloridos na superfície interior, para evitar a saída da tinta quando eram manuseados. O vidro, para além de ser utilizado no fabrico de peças utilitárias (como as referidas para o tabaco e ópio), foi igualmente usado na joalharia, para imitar as pedras preciosas e peças decorativas de utilização no vestuário. As oficinas de Cantão assumiram grande relevo na produção de vidro pintado que era exportado para a Europa, tendo a sua qualidade assumido um tal nível que as autoridades de Cantão enviaram ao imperador Qianlong 乾隆 (1736-1795), como presente, dois painéis de vidro pintado. Paralelamente, assiste-se também à comercialização de vidros e cristais de proveniência europeia, através dos navios portugueses e europeus, como indicam alguns documentos de arquivo portugueses, e como referiu, mais expressivamente, Pyrard Laval no início do século XVII: “quando os navios partem de Goa, vão carregados, além do dinheiro, de diversas fazendas da Europa como [...] toda a sorte de obras de vidro e cristal”. [R.D’Á.L.] Bibliografia: BOXER, Charles R., O Grande Navio de Amacau, (Macau, 1989); CUNHA, Mafalda Soares da (ed.), Os Construtores do Oriente Português (Porto, 1998); CURTIS, Emily B., The glass of China, (Aldershot, 2004); JORGE, José Vicente, Notas sobre a Arte Chinesa, (Macau, 1995); PYRARD LAVAL, Francisco, Viagem de Francisco Pyrard de Laval, contendo a notícia de sua navegação às Índias Orientais (1601 a 1611), 2 vols., (Porto, 1944).
VIDRO
No dia 13 de Dezembro de 1823, foi publicado em A Abelha da China, n.º LXV, o Regulamento para o comércio do “género Anfião” – ópio, que foi também publicitado em Edital de 6 de Dezembro anterior.
Regulamento para o comércio de ópio
Os primeiros relatos chineses e europeus dizem-nos que havia uma grande procura de pimenta na China. As listas de tributação, especialmente durante os períodos Song 宋 e Ming 明, indicam a existência de grandes carregamentos de pimenta para os portos de Quanzhou 泉州 e Cantão, anteriormente à chegada dos portugueses. A pimenta chegou, igualmente, à China através da rede comercial de Ryukyu (Lequeios), principalmente durante os séculos XV e XVI. As importações chinesas de pimenta eram provenientes de diversas áreas do Sudeste Asiático. Sumatra era o maior produtor, e os portos situados ao longo da sua costa oriental eram famosos pelas suas relações como Império do Meio. A pimenta podia ser igualmente obtida em Patane na Península Malaia, em Bantem em Java, em Banjamarsin no Bornéu ou noutros lugares. Estes portos floresceram em diferentes períodos, atraindo os comerciantes chineses e outros, que procuravam obter pimenta e especiarias. Enquanto que a pimenta do Sudeste Asiático era canalizada, principalmente, para a China, o Japão e a Coreia, ou utilizada para consumo doméstico no Sudeste Asiático, a pimenta da Índia servia para responder a necessidades muito diferentes. Era consumida nos países e portos que circundavam o Oceano Índico, no Médio Oriente e na Europa. Pequenas quantidades eram igualmente exportadas para a Ásia Central, como sabemos, por exemplo, através de fontes chinesas. A produção total de pimenta na Índia e no Sudeste Asiático devem ter variado consideravelmente na época pré-europeia e é difícil de estimar mas, de um modo geral, podemos dizer que a China constituía, provavelmente, o principal consumidor desta especiaria, anteriormente a 1500. Quando os portugueses efectuaram as suas primeiras viagens à China, rapidamente se aperceberam da importância da pimenta para o mercado de Guangdong廣東. Tornou-se assim uma das suas principais preocupações o desenvolver o comércio entre Sumatra e a China, esperando poder, deste modo, obter avultados lucros que lhes permitiriam expandir as suas transacções comerciais. Porém, o comércio a partir de Pasai, na Sumatra, para o Estuário do Rio das Pérolas, foi de curta duração, e a pimenta nunca veio a desempenhar, durante esses anos, o mesmo papel que de sempenhou na rota do Cabo, a partir da Índia, para a África e Lisboa. Contudo, vários relatos das primeiras décadas do século XVI, e do período após a fundação de Macau, indicam que a pimenta continuou a ter algum valor no comércio sino-português. Poderíamos assim encontrar a pimenta, embora como produto de menor importância, em vários barcos com destino a Macau. Em meados do século XVII, em particular, a importância relativa das importações de pimenta por parte de Macau deve ter aumentado. Nesse tempo, a pimenta era obtida principalmente em Macassar. Após a queda de Macassar, os mercadores portugueses navegavam até Banjarmasin onde tinham de competir com os chineses e outros. Por esta altura, os holandeses haviam começado a transportar grandes carregamentos de pimenta do Sudeste Asiático de Batávia para a Europa, e Batávia havia-se tornado no principal porto de exportação de pimenta do Sudeste Asiático. Tal facto não passou despercebido aos portugueses. A partir do final do século XVII, os comerciantes portugueses, ao verem a riqueza do mercado de Batávia, intensificaram as suas ligações com esse lugar em que, uma vez mais, tiveram de competir com os fujianenses. Parece que, após alguns anos, os mercadores portugueses conseguiram adquirir metade, ou mais, da quantidade anual total de pimenta necessária em Cantão, para o consumo local. A pimenta tornou--se, assim, num lucrativo produto de importação para muitos navios provenientes de Macau, em finais do século XVII. Mais tarde, porém, a sua posição foi suplantada por outras importações. [R.P.] Bibliografia: THOMAZ, Luís Filipe F. R., A Questão da Pimenta em Meados do Século XVI. Um Debate Político do Governo de D. João de Castro, (Lisboa, 1998); TSAO, Yung-ho, “PepperTrade in East Asia”, in T’oung Pao, vol. 68, 4-5, (1982), pp.221-247.
PIMENTA
A porcelana foi descoberta pelos chineses há pelo menos três mil anos, e desde aí tem maravilhado todos quantos a vêem e usufruem. Como artigo de luxo era produzido apenas para a corte imperial e oficiais, sendo estritamente proibida a sua exportação. Mas logo que conseguiu passar fronteiras, os artífices e artistas chineses produziram novas formas e decorações, segundo os requisitos dos mercados exteriores, artigos que se designam por porcelana chinesa de exportação e de encomenda (chine de commande). A porcelana de exportação manufacturada entre os séculos XVIII e XIX é vulgar e impropriamente designada, nos países europeus, por “Porcelana da Companhia das Índias” (pois as Companhias limitavam-se a encomendá-la e a transportá-la para a Europa); ou ainda por “Porcelana da Índia”. A expressão “loiça de Macau” servia para designar a porcelana transportada pelas embarcações que seguiam de Macau, mas tratava-se da mesma porcelana de exportação e de encomenda. Não se pretende aqui traçar uma história da porcelana, mas tão só delinear alguns contornos do seu significado histórico dentro das ligações que Macau (como intermediário) estabeleceu nas rotas do comércio marítimo com a Europa (consumidor) e com Cantão (exportador). Macau gozou no século XVI de um estatuto único, foi o elo na rota marítima que ligava o Ocidente e o Oriente, ao nível económico e cultural. Lidou com as necessidades dos mercados português e europeu, e ao mesmo tempo com as possibilidades oferecidas pela produção e política chinesa. Devido à sua localização privilegiada na transacção do comércio internacional e regional, foi porto que recebeu produtos da Índia, Europa e até mesmo da América, e para estes exportou uma variedade de produtos que de toda a China confluíam para Cantão. Desta passagem dos mais variados produtos e artigos orientais pelo Território ficaram marcas, hábitos, gostos, influências, que muitos comerciantes portugueses e suas famílias, assim como embaixadores, padres, missionários, mercadores e tripulações das embarcações de várias nacionalidades, levaram para os seus países e, aí se espalharam com mais ou menos recepção, como é o caso do gosto pelo chá. Existem indícios de que a porcelana chegou à Europa já no tempo dos romanos. O comércio com a China iniciou-se via terrestre, através da Rota da Seda, tendo os Persas como intermediários que traziam os exóticos produtos até Roma. A viagem por mar foi realizada pelos mercadores muçulmanos que se dirigiam a Cantão, onde lucraram com este proveitoso comércio durante séculos, e no qual a porcelana teve grande importância. Por volta do século XV, os muçulmanos vendiam este artigo aos comerciantes venezianos, florentinos e genoveses, que o distribuíam para os restantes mercados europeus. Assim, quando os portugueses se aventuraram para Oriente, já tinham conhecimento da existência da porcelana. Com o estabelecimento dos portugueses em Malaca, em 1509, consolidou-se a via comercial Ocidente-Oriente. Ao porto de Malaca chegavam os juncos chineses que a troco da pimentada Índia forneciam porcelanas, já de exportação, mas produzidas para o comércio com o Próximo Oriente. Pouco depois, os navegadores lusos realizavam expedições até à terra dos “chins”, em busca de produtos e seus distribuidores, e rapidamente começaram a encomendar porcelanas decoradas segundo requisitos egosto ocidentais. A porcelana, chegada aos portos de Lisboa, era distribuída para abastecer os vários mercados europeus, sobretudo o holandês. Fidalgos portugueses ligados ao ultramar encomendam porcelanas chinesas, aproveitando a estadia temporária em Macau para obterem esta mercadoria considerada valiosa, e que maior prestígio adquiria quando devidamente personalizada. Iniciou-se assim o processo da porcelana chinesa de encomenda em larga escala, tendo sido o primeiro género o decorado com brasões, a chamada porcelana Azul e Branca, muito solicitada pela corte e nobres portugueses. Encontramos, a partir de 1521, peças e serviços com emblemática e legendas lusas, para serem ofertadas ao Rei D. Manuel (1495-1521), peças para uso próprio de fidalgos, assim como de ordens religiosas missionárias, como os jesuítas e agostinhos. Segundo Martim de Albuquerque, a armaria da louça brasonada portuguesa evoluiu ao longo dos tempos. Numa primeira fase, que decorre de 1541 até sensivelmente ao fecho da guerra da Restauração, contam-se vinte e seis representações heráldicas independentes: as armas reais ou simbologia heráldica dos monarcas portugueses, com doze peças; a Companhia de Jesus, com cinco; e capitães, governadores e navegadores ultramarinos que encomendaram o seu escudo de armas em porcelana, com seis peças, entre eles dois governadores de Macau, D. João de Almeida (c. 1585) e D.Francisco de Mascarenhas (c. 1625). No início, o comércio praticado pelos portugueses na região do delta do Rio da Pérola era ilegal, mas tornou-se de grande importância garanti-lo e aumentá-lo face a uma nova realidade: a chegada dos portugueses ao Japão, em 1542 ou 1543. O contacto com os nipónicos teve grandes repercussões em Macau. Vislumbraram-se boas oportunidades de efectuar negócios comerciais. A prática comercial exigia uma base lusa,“um porto seguro” na costa chinesa, e Macau, por circunstâncias várias, foi o local escolhido. Quando os portugueses foram autorizados a permanecer em Macau (1557), eram os únicos europeus a comerciar directamente com a China, transportando os seus produtos, como a porcelana, para os vários mercados inter-asiáticos. Entretanto, na Europa, a porcelana a todos fascinava, e a Lisboa chegavam as encomendas dos demais povos europeus, para os capitães das embarcações que estacionavam em Macau. As grandes embarcações portuguesas, as carracas (de grande porte e defensivas), que faziam as viagens anuais entre Goa, Macau e Japão, quando chegadas a Macau, ficavam ancoradas no porto. Outras mais pequenas iam buscar a mercadoria a Cantão, que depois transferiam para a grande nau. Os portugueses de Macau abasteciam-se das mais variadas mercadorias na feira de Cantão, que no início só durava entre dois a três meses, e a partir de1580 passou a realizar-se duas vezes por ano. Desde o início que Macau e Cantão mantêm uma estreita relação comercial, Cantão como abastecedor e Macau como a porta pela qual todos os produtos da China se tornam acessíveis, assim como a porta de entrada dos produtos estrangeiros na China. Mas uma nova realidade política portuguesa, a União Ibérica (1580), revelou-se desastrosa para o comércio marítimo asiático português, pois desencadeou o processo que levou à formação das Companhias das Índias holandesa (1602-1795) e inglesa (1600-1852). Estas começaram a concorrer em todo o comércio oriental, até então dominado pelos portugueses, tomando conta das suas rotas inter-asiáticas e das cidades estratégicas que os ustentavam. A Companhia das Índias Holandesa foi a que mais destabilizou o próspero comércio dos portugueses e dos homens de negócio de Macau. A esta situação já pouco favorável, acrescem os factos de: o Japão, em 1639, ter terminado o tráfico comercial com os portugueses, e os holandeses terem tomado Malaca (em 1641), privando Macau de uma das suas rotas com a Índia. A própria China vivia em instabilidade interna com a mudança de dinastias, o que dificultava a acessibilidade das mercadorias a Cantão. As consequências desta conjuntura fizeram-se sentir em Macau, que inicia um processo de declínio, devido à insegurança e falta de rendimentos. Entretanto, o chá, o café e o chocolate tornaram-se bebidas do quotidiano, que os ocidentais gostavam de saborear nos seus serviços de porcelana, assim como as várias refeições nos serviços de jantar. Das cortes às grandes famílias europeias, todas tinham os seus conjuntos de mesa “importados”de Macau, algumas possuíam cinco ou mais serviços de porcelana. No início de Seis centos encomendavam--se na China grandes quantidades de uma porcelana designada de Kraakporselein (literalmente “porcelanade carraca”, segundo um tipo de barco português, ouda palavra holandesa Kraak), executada numa pasta fina decorada a azul-cobalto sob o vidrado. Teve grande importância para o desenvolvimento comercial de Macau, pois foi um exclusivo dos portugueses durante os primeiros anos de um lucrativo comércio. Mas como emergir da Companhia das Índias Holandesa a sua produção em massa foi dominada por estes. Em 1685, Kangxi 康熙 (1662-1722), o segundo imperador da Dinastia Qing 清, autorizou a abertura do porto de Cantão e outros ao longo da costa. Macau perdeu o benefício do monopólio dos portugueses, tendo de contar com a concorrência estrangeira, apesar de continuar a ser a porta de acesso à China. O sistema de compra de porcelana por parte das Companhias Orientais de vários países baseava-se na aquisição em grandes quantidades. Os mercadores das Companhias tinham instruções específicas quanto às porcelanas a comprar, estabelecendo quantidades, preços e variedades. Desde logo que a compra de porcelana por parte dos europeus visava não só satisfazer o seu gosto por este produto, como também o carácter utilitário que esta assume como recipiente de várias refeições, e outras funções como de toillete, em formas adequadas ao modo de vida e usos ocidentais, mas com decoração chinesa. Mais tarde, com o exigir de uma decoração mais ao gosto dos compradores, enviaram-se desenhos, modelos e gravuras para Cantão, para elucidar os artífices. Era grande a diversidade dos assuntos usados na decoração da porcelana de encomenda, destacando-se: os temas marítimos, cenas exteriores, mulheres, o galante e o erótico, assim como o literário, o anedótico, temas satíricos e históricos, religiosos, mitológicos e maçónicos, cenas de caça e cavalos em corrida, embarcações, brasões e muitos outros. Durante os séculos XVII e XVIII, os mercadores e Companhias estrangeiras chegavam ao Rio da Pérola entre Julho e Outubro (início da época comercial), após vários meses de travessia. À entrada do rio estacionavam em Macau, onde recuperavam forças e se abasteciam de víveres. As embarcações ficavam ancoradas na ilha da Taipa, por entre quatro ilhas montanhosas, pois o porto de Macau tinha pouca profundidade. Na cidade auscultavam-se as condições de comércio em Cantão, e contratavam--se os pilotos para subir o rio até Whampoa (Huangpu黃埔), o ante-porto de Cantão. As Companhias limitavam-se a fornecer aos intermediários chineses as suas listas de produtos a comprar, e aguardavam, no caso das porcelanas, que o intermediário transmitisse a encomenda para Jingdezhen 景德鎮 (interior norte da província de Jiangxi 江西, a cerca de 1.000 kms a norte de Cantão), que na época seguinte estaria pronta. Dependendo dos ventos, os mercadores tinham de regressar à Europa na primeira metade de Janeiro, antes da chegada das monções. Entretanto, a porcelana era trazida para Cantão por negociantes chineses especializados, que podiam fornecer a mercadoria das suas reservas ou transmitir a ordem de encomenda às fábricas de Jingdezhen 景德鎮. Aí, os oleiros e pintores já especializados em mercadorias de exportação requeriam poucos meses para produzir a porcelana desejada, que depois seguia para Cantão, onde chegava no início da Primavera. As encomendas da época comercial anterior estavam prontas para serem levadas quando os barcos voltassem novamente, o que era conveniente, uma vez que a porcelana era a primeira a ser carregada para dentro das embarcações, antes do chá. Em 1759, o imperador Qianglong 乾隆 (1736-1795) ordenou o encerramento de todos os portos, excepto o de Cantão, concentrando aí toda a actividade comercial com as companhias ou privados estrangeiros, que apenas podia realizar-se através dos comerciantes chineses autorizados, os chamados Hongs (Hang 行), supervisionados pelo Co-hong (Gonghang 公行). Com a abertura do porto de Cantão, e a grande movimentação comercial introduzida pelas Companhias das Índias, o processo decorativo das porcelanas passou de Jingdezhen景德鎮 para Cantão. Os artesãos de Jingdezhen 景德鎮 faziam o possível para reproduzir em porcelana os modelos e desenhos requisitados pelos clientes ocidentais, mas a distância entre eles era grande e os erros inevitáveis. Estas porcelanas tinham um custo elevado, pela dificuldade de conseguir a cópia exacta, e na recusa da encomenda era impossível a sua venda, uma vez que não se adequava ao gosto chinês. A fim de evitar estas situações, alguns trabalhos de acabamentos foram transferidos para Cantão, onde os contactos directos com os mercadores europeus evitavam muitos problemas. As peças de porcelana eram então enviadas de Jingdezhen 景德鎮 para Cantão, sem decoração, e só aí eram pintadas (as cores aplicadas sobre o vidrado, através da cozedura em fornos de mufla). É claro que a qualidade da decoração desta porcelana era inferior, mas tinha espontaneidade e frescura, o que a tornava particularmente atractiva. Macau tornou-se novamente um ponto de apoio e residência dos europeus envolvidos no comércio da região, e esta corrente de atracção cresceu até a fundação de Hong Kong (1841). Com a permissão das autoridades chinesas, começaram a instalar-se as primeiras feitorias em Cantão, cerca de oito, que no início não passavam de armazéns, mas que entretanto proliferam e aumentaram para trinta. Estas feitorias, situadas à beira rio, repetiam-se nas ruas traseiras e na zona junto às muralhas da cidade, onde ficavam as ruas das lojas chinesas e onde se adquiriam produtos como a seda, porcelana e marfim. O intenso comércio aí praticado durava até às dez horas da noite, pois apenas podia realizar-se durante seis meses (do fim da Primavera ao início do Outono). A partir de Novembro todas as feitorias fechavam, e os comerciantes e representantes das Companhias estrangeiras tinham de partir. Reforçando o tradicionalmente estabelecido, um decreto imperial de 1830 estabeleceu a proibição dos estrangeiros residirem em Cantão, o que levou ao estabelecimento definitivo dos mercadores estrangeiros em Macau. Essa comunidade era constituída por indivíduos de várias nacionalidades, mas sobretudo pessoas do credo protestante. A necessidade de passar o Inverno e instalar as suas famílias em Macau levou à proliferação de magníficas casas e jardins. A cidade voltou a gozar por mais alguns anos de uma certa prosperidade. Muitos aristocratas e famílias locais e estrangeiras encomendam nesta altura os seus serviços de porcelana, que exibem nas suas casas em sumptuosas festas e saraus. Nos finais de Sete centos, o comércio da porcelana fora afectado, entre outros factores: pela crise política na Europa, o novo gosto neoclássico, e pela fabricação da porcelana na Europa em grandes quantidades, que satisfazia alguma da clientela com rapidez e precisão. Ainda assim, este comércio iria continuar até metade do século XIX, altura em que o negócio se concentrava quase por completo nas mãos de comerciantes americanos, portugueses e alguns ingleses. As porcelanas chegaram em grande número a Portugal e ao Brasil nos séculos XVIII e XIX, isto quando a actividade comercial entre Portugal e a China se tinha tornado insignificante.Talvez mais do que Portugal, o Brasil foi o grande importador de porcelana chinesa a partir de Macau, pois durante o século XVIII e início do XIX, gozou de grande prosperidade com a exploração de diamantes e ouro. Além de que o Brasil acolheu a família real portuguesa aquando das invasões napoleónicas, e durante o tempo de estadia os monarcas continuaram a solicitar várias encomendas de serviços de porcelana chinesa, que toda a corte e famílias endinheiradas brasileiras seguiam como moda. As porcelanas e outras mercadorias chegavam directamente de Macau, não tendo que pagar direitos alfandegários no Brasil. Importavam-se principalmente serviços, o que revela que, apesar da concorrência com as companhias europeias, as embarcações lusas continuavam a abastecer a clientela portuguesa e brasileira, que não dispensava ter à mesa “aparelhos”, a chamada “loiça de Macau”, com todas as peças consideradas necessárias a uma faustosa refeição, e reveladora do seu estatuto social e económico. A conjuntura dos Mares do Sul da China volta a alterar-se com o nefasto comércio do ópio e o cada vez maior domínio dos ingleses, que acabam por conseguir estabelecer-se em território chinês (Hong Kong). Após o desenlace da Guerra do Ópio e consequente Tratado de Nanquim (NanjingTiaoyue 南京條約), em 1842, declarou-se a abertura dos portos de Cantão (Guangzhou 廣州), Foochow(Fuzhou 福州), Amoy (Xiamen 廈門), Ningbo 寧波e Xangai (Shanghai 上海) ao comércio estrangeiro. A partir da segunda metade de Oitocentos, com a abertura dos portos da China, a destruição de Jingdezhen景德鎮 e o incêndio que devastou as feitorias de Cantão, o comércio da porcelana declinou. Cantão, assim como Macau, perdeu definitivamente a exclusividade, podendo os negociantes de vários países comerciar directamente em outros portos. Apesar disso, são os portugueses, famílias macaenses e gentes ligadas ao negócio e administração do ultramar, que continuam a encomendar serviços de aparato com os seus brasões, mantendo-se na vanguarda no que diz respeito aos motivos decorativos ocidentais e entre os primeiros compradores. Durante o reinado de Guangxu光緒 (1875-1908), os fornos imperiais de Jingdezhen景德鎮 foram abandonados, embora ainda existissem cento e dez fornos privados, mas com mão-de-obra medíocre. Após séculos de produção, esta cidade ainda hoje continua a manufacturar a fina e delicada porcelana. Nos nossos dias, a porcelana não tem um uso diário como em séculos anteriores, mas são consideradas peças de família e de colecção, sendo conservadas e apreciadas pelas novas gerações, tanto em colecções privadas como em museus de todo o mundo. Para os visitantes que desejem adquirir porcelanas em Macau, assim como outros artigos considerados antiguidades, podem sempre encontrá-los na zona da cidade chamada rua dos tin-tins, junto às Ruínas da Igreja de S. Paulo. Aí, vendem-se as mais variadas peças de porcelana chinesa, originais e cópias. Nota: A porcelana é uma cerâmica de pasta dura, obtida a partir da argila refractária, o caolino e o petunsé, mistura pulverizada de quartzo e feldspato, que fundida a 1350 graus centígrados se torna branca e translúcida, extremamente dura e sonora ao toque. A porcelana é coberta com uma matéria chamada vidrado, que pode ser colorido com alguns óxidos metálicos, como por exemplo o óxido de cobalto (azul), o óxido de cobre (que varia de tons conforme a temperatura do forno) e o óxido de ferro (verde celadon). [M.I.V.] Bibliografia: BEURDELEY, Michel, Porcelain of the EastIndia Companies, (London, 1962); CALVÃO, João Rodrigues (ed.), Caminhos da Porcelana. Dinastias Ming e Qing, (Lisboa,1998); CLUNAS, Craig (ed.), Chinese Export Art and Design, (London, 1987); CROSSMAN, Carl L., The Decorative Arts of The China Trade. Paintings, furnishing and Exotic Curiosities, (Londres, 1991); DENG Kaisong, “Estatuto e Papel de Macau na Rota Marítima nos Séculos XVI e XVII”, in Revista de Cultura,n.° 32, (Macau, 1997); MATOS, Maria Antónia Pinto de, Chinese Export Porcelain. From the Museum of Anastácio Gonçalves, Lisbon, (Londres, 1996); PEREIRA, Fernando António Baptista (coord.), Os Fundamentos da Amizade. Cinco Séculos de Relações Culturais e Artísticas Luso-Chinesas, (Lisboa, 1999).
PORCELANA
No dia 28 de Outubro de 1781, os comerciantes costumavam tomar da Santa Casa dinheiro a responder a juros (20%), a risco de mar, sendo um dos mais ousados o comerciante Joaquim Carneiro Machado Castelo Branco que tomou 4 000 taeis, a responder para a Costa da Cochinchina, Malaca e portos malaios até Batávia no seu navio N. Srª do Amparo e Almas Santas.
Tomar da Santa Casa dinheiro a respondera juros
Tempo: | Dinastia Qing entre 1845 e 1911 |
Década 1870 | |
Palavra-chave: | Litoral |
Arquitectura | |
Embarcação | |
Colina |
Fonte: | Arquivo de Macau, documento n.ºMNL.05.12.20.Icon |
Entidade de coleção: | Arquivo de Macau |
Fornecedor da digitalização: | Arquivo de Macau |
Tipo: | Imagem |
Original da obra de arte | |
Aguarela | |
Formato das informações digitais: | TIF, 2000x1587, 9.08MB |
Identificador: | p0005565 |
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