Na sequência do 'Duplo Dez', o monopolista do sal, receando pela segurança dos quatro navios que faziam a fiscalização na área de Macau, decidiu ordenar aos respectivos capitães que rumassem à colónia portuguesa entregando-os à guarda das autoridades marítimas locais. Pouco tempo depois, tendo em conta o futuro incerto da empresa, o monopolista preferiu assegurar o seu próprio futuro vendendo as canhoneiras em Hong Kong onde o esperava um bom negócio, pelo que pediu à Capitania a devolução das embarcações. Foi nesse momento que o governo de Cantão tomou conhecimento do paradeiro das canhoneiras que considerava pertencerem por direito à Marinha Chinesa. Através do Comissário dos Negócios Estrangeiros Ho Pun Wai, o governo provincial fez chegar uma nota ao embaixador António Patrício exigindo a devolução dos navios, invocando a continuação da amizade luso-chinesa. Em resposta à solicitação de Cantão, o Governo de Macau informa então o embaixador António Patrício de que as lanchas não se encontravam apresadas mas somente entregues à guarda da Capitania dos Portos, como tinha sido 'solicitado pelo representante da arrematação do sal de Cantão que se apresentara como proprietário das referidas canhoneiras a fim de as colocar ao abrigo de qualquer tentativa de ataque por parte de malfeitores'. O governo de Macau acrescentava que uma das lanchas já tinha aliás sido retirada da doca pelo proprietário, o qual a enviara para Hong Kong a fim de a alugar a um particular. Tendo em conta a contestação apresentada pelo governo de Cantão, a Capitania dos Portos de Macau decidiu entretanto agir de outra maneira relativamente às restantes três canhoneiras ainda ancoradas na Doca da Barra, exigindo ao representante do monopolista do sal a entrega de documentos comprovativos de que pertenciam à companhia a fim de poder satisfazer o pedido de devolução. A decisão constituía na verdade um movimento dilatório, destinado a permitir que o governo de Cantão apresentasse documentos convincentes de que as embarcações lhe pertenciam de facto. Entretanto os representantes do ex-monopólio do sal apresentavam-se perante a Capitania portuguesa a 2 de Maio de 1912, apresentando por seu turno documentos de propriedade de oito embarcações entre as quais se incluíam as três lanchas fundeadas em Macau. Perante os factos, o Governador decidiu fazer esperar os reivindicantes informando de novo António Patrício de que o caso requeria urgência e formulando um prazo de quinze dias para o governo de Cantão apresentar a sua contestação. Recebida esta nova informação do governo de Macau, o Comissário dos Negócios Estrangeiros, Franck Li, prometeu dar celeridade ao caso enviando um representante oficial a Macau no prazo de três dias a fim de resolver de uma vez a questão. No entanto, alguns dias depois, quem se apresentaria perante a Capitania dos Portos afirmando-se mandatado por Cantão seria um súbdito britânico de Hong Kong (Vaham Cureen) o qual não convenceu as autoridades portuguesas que mais uma vez adiaram qualquer decisão, embora aquele tivesse apresentado documentos comprovativos da compra dos navios ao monopólio do sal. Todavia, por precaução contra os tufões e também para evitar qualquer tentativa de as arrebatar pela força, o capitão dos portos decidiu remover as canhoneiras para a Doca do Patane e retirar-lhes algumas peças essenciais de modo a impedir que navegassem. Face à complicação da questão e à entrada em cena do advogado Nolasco da Silva, que representava o monopolista do sal Vong Kio, o Governador de Macau decidiu então entregar o caso aos tribunais que acabaram por dar razão a este. Mesmo assim, após decisão judicial, o governador ainda embargou por mais alguns dias a entrega das canhoneiras a pedido do consulado português em Cantão. Finalmente, a devolução, ao representante do monopolista do sal Vong Kio, efectuar-se-ia a 2 de Outubro de 1912. Desafiando explicitamente o governo republicano de Cantão, que para além do mais tinha verdadeira necessidade de reaver as modernas canhoneiras a fim de reequipar a sua débil marinha, incorporando-as na campanha de pacificação do Delta, conduzida pelo general Cheng Chiu-ming, Macau tomava uma atitude hostil relativamente a Sun Iat Sen, de quem Cheng Chiu-ming era aliado. Ainda que a coberto de uma decisão do poder judicial independente, Macau cometia um erro grave que os republicanos chineses registavam somando-o a outros anteriores.

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Data de atualização: 2020/07/20