
Informações relevantes
Data de atualização: 2020/09/03
Surgimento e mudança da Ribeira Lin Kai de San Kio
Macau e a Rota da Seda: “Macau nos Mapas Antigos” Série de Conhecimentos (I)
Escravo Negro de Macau que Podia Viver no Fundo da Água
Que tipo de país é a China ? O que disseram os primeiros portugueses aqui chegados sobre a China, 1515
Data de atualização: 2020/09/03
BRAGA, JOSÉ MARIA ou BRAGA, JACK (1897-1988). Intelectual que se destacou na história Extremo Oriente, igualmente conhecido por Jack Braga, nasceu em Hong Kong a 22 de Maio de 1897, filho de conhecido membro da comunidade macaense da colónia inglesa de Hong Kong e de Olive Pauline Kollard, violinista, australiana de nascimento, que se havia fixado em Hong Kong por 1890. Foi o filho mais velho de uma família de treze filhos. O bisavô de J.M. Braga foi um dos pioneiros da comunidade lusa de Hong Kong, que ali se fixou após a sua ocupação pelos ingleses. Naquele território fundou a editora Noronha e Co., cuja actividade se prolongou por mais de cem anos, acabando por ser comprada pelo Governo de Hong Kong. O seu pai, José Pedro Braga, seguiria as mesmas pisadas e viria a ser impressor, editor e, posteriormente, director do Hong Kong Telegraph e de várias companhias locais, membro activo do Conselho Sanitário, hoje conhecido por Conselho da Cidade, e do Conselho Legislativo.Frequentou o St. Joseph’s College. Apesar de ter sido um dos melhores alunos da colónia de Hong Kong e ter o sonho de ser médico, o seu pai contrariou o desejo, pois queria que começasse a trabalhar para ajudar a família. Casou com Augusta e foram pais de sete filhos. A família deslocou-se para Macau e José Maria Braga foi leccionar as cadeiras de Língua e Literatura Inglesa no Seminário de S. José, na década de 1920. Tendo grandes dificuldades na expressão da língua portuguesa, comprou o seu primeiro livro a Viagem de Vasco da Gama. Ao dedicar-se ao estudo e investigação das primeiras relações entre a China e o Ocidente, deu origem a uma vasta obra que o realçou como um especialista no tema. Era conhecedor dos arquivos e bibliotecas de várias partes do mundo, como Japão, Inglaterra, Itália e Portugal, tendo encontrado muitos originais que deu a conhecer. Seria ali que o futuro padre Manuel Teixeira, com apenas 12 anos, o viria a encontrar. Professor durante vários anos no velho Seminário, coube-lhe o mérito de ter preparado algumas gerações de jovens macaenses no conhecimento da Língua e Literatura Inglesa, tão necessárias para um futuro mais adequado. Enquanto esteve em Macau foi conselheiro não oficial de vários governadores, no que tocava às relações entre Macau e Hong Kong. Foi correspondente da Reuter e do South China Morning Post. Ocupou também o lugar de gerente da Watco, empresa de fornecimento de água à China para ser usada em Macau, bem como desenvolveu outras actividades no campo da exportação e importação. Muitos dos seus alunos notabilizaram-se nas mais variadas actividades em Hong Kong, Xangai e outras cidades importantes do Extremo Oriente. Outros emigraram para a Austrália, Estados Unidos da América e Canadá, contribuindo para a divulgação da cultura de Macau nessas zonas. Durante a II Guerra Mundial, e apesar da sua família ser numerosa, pois incluía duas tias e uma avó, Jack Braga recolheu na sua casa muitas famílias refugiadas de Hong Kong, obrigando mesmo à venda de diversos bens pessoais para poder sustentar toda a gente. Segundo o jornal de Hong Kong, South China Morning Post, desenvolveu actividade em prol dos Aliados durante a Guerra do Pacífico, tendo sido o elo de ligação entre vários grupos dos Serviços Secretos, incluindo o governo chinês e o grupo de apoio ao Exército britânico. Jack Braga emigrou para a Austrália e, mais tarde, em 1973, para os EUA por motivos de saúde, onde fixou residência. Veio a falecer em São Francisco, a 27 de Abril de 1988, com 90 anos de idade. A sua vasta biblioteca, com cerca de 9000 livros, algumas primeiras edições raras, manuscritos, mapas, fotografias e desenhos, encontra-se na Biblioteca Nacional da Austrália, em Camberra. Alguns dos seus trabalhos estão sob o pseudónimo de J.A. Kollard, segundo o historiador macaense Luís Gonzaga Gomes, como, por exemplo, Early medical practice in Macao, publicado cerca de 1935 ou “Macao-Shekki Highway”, na Macau Review datada de 1930. Muitos dos seus artigos foram publicados nas revistas Boletim Eclesiástico de Macau, Arquivos de Macau, Mosaico, Studia, Renascimento, Boletim do Instituto Português de Hong Kong, Boletim do Instituto Luís de Camões, Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, Anuário de Macau. Segundo o seu amigo de longa data, Jeoffrey Bonsall, deveu-se a Braga a doação da casa e biblioteca de Robert Ho Tung (Hedong Tushuguan 何東圖書館). Este, quando regressou a Hong Kong após a II Guerra Mundial, foi persuadido a ceder a sua casa para efeitos culturais. Igualmente através de Braga, uma colecção completa do Hong Kong News, jornal de língua inglesa publicado pelos japoneses durante a ocupação de Hong Kong, foi comprada para a Biblioteca da Universidade. A sua vasta bibliografia encontra-se referenciada por Luís Gonzaga Gomes em Bibliografia Macaense, obra republicada pelo Instituto Cultural de Macau em 1987, bem como no n.º 2 da Revista de Cultura, 1988. Devido à sua contribuição para a cultura macaense, o Instituto Cultural de Macau propôs que, no dia 10 de Junho de 1988, lhe fosse atribuído o Grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, galardão que destaca personalidades cuja acção tenha contribuído para a expansão da Cultura Portuguesa no Mundo. Bibliografia: GOMES, Luís Gonzaga, Bibliografia Macaense, (Macau, 1987); José Maria Braga, Vida e Obra, (Catálogo, Macau, 1988).
BRAGA, JOSÉ MARIA ou BRAGA, JACK (1897-1988)
BOXER, CHARLES RALPH (1904-2000). Professor emérito da Faculdade de Estudos Portugueses do King’s College de Londres, perfila-se como o maior historiador da expansão marítima oriental portuguesa iniciada no século XV. Nasceu na ilha de Wight no dia 8 de Março de 1904 e faleceu em Londres no dia 27 de Abril de 2000, com 96 anos de idade. Descendia de uma família de tradição naval. Seu avô tinha sido oficial de marinha e Charles Boxer não conseguiu ingressar naquela arma devido apenas ao facto de usar óculos. Por isso acabaria por ingressar na academia do exército de Sandhurst, concluindo o curso como segundo tenente em 1923. Durante alguns anos prestou serviço na Irlanda até ser designado em 1930 para o Japão, a fim de servir como oficial intérprete na missão militar inglesa naquele país. Em 1936 transitou para os serviços de inteligência militar em Hong Kong, onde serviu até Dezembro de 1941, data em que os japoneses ocuparam aquele território. Ferido em combate, esteve prisioneiro num campo de concentração (em Cantão), até ser libertado no final da guerra e enviado de novo em missão ao Japão em 1946, de novo como adido militar. Em 1947 desligou-se do serviço militar, obtendo a regência da cadeira de Estudos Portugueses na Universidade de Londres. Condecorado pelo governo português com a Grã Cruz da Ordem de S. Tiago da Espada e Grã Cruz da Ordem do Infante, publicou aos 18 anos de idade o seu primeiro estudo sobre a história de Macau, sendo autor de mais de 350 trabalhos sobre a expansão portuguesa, espanhola e holandesa a Oriente, na era moderna. Apesar de não ser um académico na acepção formal do termo, começou a interessar-se pela expansão marítima portuguesa e holandesa enquanto serviu nos primeiros anos no Extremo Oriente, depois de ter contactado com elementos civis e militares holandeses na Indonésia. Em 1926 publicou os seus primeiros artigos sobre o tema, mas seria em 1930 que escreveria o seu primeiro trabalho académico: uma tradução dos Comentários de Ruy Freire de Andrade. Nesse tempo, nada ou quase nada era conhecido sobre a saga dos portugueses, japoneses e holandeses no Extremo-Oriente, nos meios universitários de língua inglesa, mas também nos de língua portuguesa. Servindo-se do facto de ser um oficial dos serviços de inteligência da Grã Bretanha, Charles Boxer, maximizou o seu interesse pela história utilizando os seus contactos no Extremo Oriente, mas particularmente em Macau, onde cultivou um conjunto de amizades junto dos círculos intelectuais macaenses, que lhe permitiram não só reunir um conjunto de informações de carácter histórico, mas também adquirir um acervo de documentos originais e livros de diversa índole, que lhe permitiram reunir em pouco tempo uma biblioteca invejável sobre o tema geral da expansão europeia no Extremo Oriente. Após a sua captura pelos japoneses, em 1941, a sua biblioteca foi considerada como tendo interesse de estado pelos japoneses, apreendida e enviada para Tóquio. Terminada a guerra, Boxer, graças à cooperação do governo britânico, conseguiria reaver o seu espólio, excepto um livro, que não constou do documento de apreensão japonês. Esse livro, veio a saber-se depois, tinha ficado nas mãos de um oficial japonês e somente viria a recupera-lo décadas mais tarde, já nos anos sessenta, recompletando assim a biblioteca da sua juventude. A nomeação de Charles Boxer para a regência da Cadeira Portuguesa de Camões no King’s College foi um evento memorável, tendo em conta a sua falta de credenciais académicas. Todavia, certo é que em 1947 Boxer seria nomeado para reger a cadeira, sucedendo ao professor George Young, seu fundador, e ao seu sucessor Edgar Prestage em 1947. Tratou-se de uma atitude inédita das autoridades universitárias do King’s College, tendo em conta que Boxer não possuía grau académico. Apenas tinha publicado uma obra e nunca tinha sido professor. Apesar disso, Boxer, não só era admitido como regente da cadeira de Prestage, como seria, em 1951, incumbido de reger o Departamento de Estudos Orientais e Africanos da Universidade, que dirigiria até 1953. Retirado do exército e dedicado à universidade, Boxer escreveu a primeira das suas grandes monografias intitulada: Fidalgos in the Far East. Essa monografia constituiu uma súmula alargada e aprofundada dos trabalhos avulsos que tinha escrito anteriormente e publicado em diversos jornais da especialidade. Logo a seguir publicou The Christian Century in Japan (1951) e no ano seguinte a obra Salvador Correa de Sá and the Struggle for Brazil and Angola (1952). Os Holandeses no Brazil seria a obra complementar que surgiria à estampa em 1957. The Great Ship from Amagon (A Grande Nau de Macau) seria o seu estudo seguinte, dedicado ao tráfico das sedas da China e da prata do Japão, no século XVI, que tinha como centro nevrálgico Macau e que surgiria em letra de forma em 1959. Na sequência dessa obra, Boxer produziria um outro livro sobre a “idade do ouro” do Brasil, em 1962, que continua por traduzir em língua portuguesa. Firmada a sua reputação em Inglaterra, com a série de obras publicadas a que se fez referência, Boxer seria naturalmente nomeado membro da Academia Britânica e o seu contributo requisitado por várias universidades, nomeadamente da Holanda e dos Estados Unidos da América. Assim, passou a ser professor convidado da universidade americana de Indiana (1967) e de Yale, onde regeria a cadeira de Estudos da Expansão Europeia Ultramarina (1969). Do ponto de vista pessoal, Charles Boxer viveu uma vida plena de aventuras, tendo em conta o facto de ser um elemento dos Special Inteligence Service da Grã Bretanha. Foi essa condição que lhe permitiu, em Macau, fazer amigos junto de um círculo de intelectuais macaenses dos anos 30, nomeadamente Jack Braga, Silva Mendes, Vicente Jorge e outros, que contribuíram para que conseguisse testemunhos históricos e fontes documentais portuguesas do Extremo Oriente a que de outro modo nunca teria tido acesso. Segundo um dos seus biógrafos, Boxer foi tudo quanto se pode ser no domínio da história: “autor, biógrafo, editor, bibliógrafo, arquivista, catalogador, tradutor e revisor”. Para além disso, a concepção de história de Charles Boxer ultrapassava qualquer ponto de vista pessoal, preferindo transmitir factos partindo dos documentos originais a que tinha acesso, segundo outro dos seus biógrafos. Neste ponto, porém, é importante salientar que uma nova escola de historiadores contesta esse comentário historiográfico que, alegadamente apenas, tem em vista “absolver” Charles Boxer das suas posições “conservadoras. Esse ponto de vista é subscrito nomeadamente pelo historiador indiano Sanjay Subrahmanyam, que afirma que Boxer não representa mais do que uma velha escola de historiadores que relatavam a história baseados apenas nos documentos coloniais, sem cuidar de consultar fontes e documentos autóctones, cujas línguas desconheciam. Saliente-se todavia, que, para além de dominar o inglês (sua língua materna), Boxer falava e lia japonês, português e holandês, embora não falasse fluentemente estas duas últimas. Todavia, saliente-se também que conseguia ler manuscritos dos séculos XVI e XVII em português e holandês, faculdade que não se encontra ao alcance de muitos historiadores e que por vezes constitui apenas domínio de alguns paleógrafos. Para além das obras mencionadas, Charles Ralph Boxer escreveu também os seguintes livros e ensaios, entre outros: O 24 de Junho. Uma façanha dos portugueses (1926); Relação da perda da nau “Madre de Deus” (1927); The Siege of Fort Zeeland and the Capture of Formosa from Dutch (1927); Subsídios para a História dos Português no Japão (1927-1928); A Portuguese embassy to Japan, 1644-1647 (1928); Notes on early European military influence in Japan (1931); European influence on Japanese sword fittings, 1543- 1853 (1931); Dutch Seaborne Empira 1600-1800; Church Militant & Iberian Expansion, 1440-1770; Dutch Merchants & Mariners in Ásia, 1602-1795; From Lisbon to Goa, 1500-1750; Studies in Portuguese Maritime Enterprise; Portuguese Conquest & Comerce in Southern Ásia, 1500-1750; Portuguese Embassy to Japan (1644-1647); Portuguese Merchants & Missionaries in Feudal Japan 1543-1640; Race Relations in the Potuguese Colonial Empire, 1415-1825. Relativamente a este último livro mencionado, de salientar que seria a obra que incorreria nas iras do regime de Salazar em Portugal e que levaria a que o governo português chefiado pelo então ditador (1931-1968) lhe retirasse as condecorações que lhe tinha anteriormente outorgado pela sua obra como historiador da expansão portuguesa ultramarina. Boxer seria, no entanto, reabilitado posteriormente à revolução de 25 de Abril de 1974, sendo-lhe não só restituídas as medalhas concedidas durante a vigência do Estado Novo, como atribuído o novo tributo da Ordem do Infante pelo presidente Mário Soares, em cerimónia solene realizada em Lisboa. Bibliografia: ALDEN, Dauril, Charles Ralph Boxer – An uncommon life, (Lisboa, 2001).
BOXER, CHARLES RALPH (1904-2000)
O Dr. Paulo Siu, ou mais propriamente, Xu Guangqi 徐光啟, nasceu em Xangai (Shanghai 上海), a 24 de Abril de 1562. Tendo seguido a carreira das Letras, ultrapassou com êxito todas as etapas do complexo sistema de ensino chinês, atingindo o mais elevado grau académico, em 1604. Não menos brilhante foi a sua passagem por sucessivos patamares da carreira políticoadministrativa (director da Instrução Imperial, subsecretário do Tribunal dos Ritos, presidente do mesmo Tribunal), vindo a ascender, a 1 de Julho de 1632, ao mais alto posto da hierarquia chinesa: chanceler do império ou colao (gelao 閣老), cargo equivalente ao de conselheiro de estado. Desempenhava já tais funções, quando, no início de 1633, o imperador o nomeou preceptor do príncipe herdeiro. Todavia, não foram as invulgares capacidades de letrado ou a fulgurante carreira política, que fizeram deste mandarim objecto de notícia de inúmeras Cartas Ânuas e outros documentos da missão da China, e tornaram o seu nome conhecido nos círculos intelectuais europeus das primeiras décadas do século XVII, mas sim a sua conversão ao cristianismo e o papel decisivo que desempenhou na expansão e consolidação da jovem Igreja chinesa. Os primeiros contactos de Xu Guangqi 徐光啟 com a nova religião, recentemente introduzida no Império do Meio, tiveram lugar em Xao Cheu [Shaozhou 韶 州], província de Guangdong 廣東, quando, ainda bacharel, exercia funções docentes numa família desta povoação. Corria o ano de 1596, e foi seu primeiro interlocutor o jesuíta Lazzaro Cattaneo. Em 1600, encontrou-se pessoalmente, em Nanjing 南京, com Matteo Ricci, de quem tinha já vaga notícia, através da edição do seu Mapa-mundi. Tratou-se, no entanto, de um contacto passageiro e sem consequências imediatas, como refere António de Gouvea: “Tornado a Nan Kim o anno de 1600, visitou o Padre Matheus Ricio que estava naquella Corte, e ainda que começou a tratar da Ley de Deos, tudo foi tão de corrida e tão acaso que nenhua impressão fez nelle o que ouvio”. Todavia, decorridos três anos, encontrando-se em Xangai (Shanghai 上海), decidiu dirigir-se de novo a Nanjing 南京, em busca de Ricci. Anota Gouvea que, por esse tempo, Xu Guangqi 徐光啟 “andava suspenso, porque na sua Seyta dos Letrados [Confucionismo] não avia menção da outra vida nem das almas. Tinha ouvido muyto dos Pagodes [Budismo] e do que os seus menistros contam do inferno, mas nada o aquietava”. Em Nanjing 南京 não encontrou Ricci, mas sim o jesuíta português João da Rocha, que o acolheu, catequizou durante vários dias e, por volta de 15 de Janeiro desse mesmo ano, lhe administrou o baptismo, como informa Gouvea: “No anno de 1603, tornando o Siu a Nan Kim, visitando o Padre João da Rocha, Superior daquella Casa, começou a tratar em forma de sua Salvação. Alegrou-se muyto de ouvir praticar o Padre […]. Finalmente, com muyto boa intelligencia da Ley de Deos, recebeo o Santo Baptismo por mão do Padre Rocha, que a teve para dar à Missam da China tam grande encosto e columna. Chamou-se Paulo, competindo nelle Virtudes e Letras. Subio ao auge das honras sinicas, que he a dignidade de Colao. Sua fé foi tam firme, sua Christandade tam solida, que por toda esta historia o traremos sempre na penna e na memoria”. Tendo alcançado o grau de doutor, em Abril de 1604, fixou-se em Pequim (Beijing 北京), onde entrou em grande familiaridade com os jesuítas aí residentes e, em particular, com Matteo Ricci, de quem se tornou amigo e admirador, e sob cuja orientação traduziu e publicou, em 1606 e 1607, os seis primeiros livros dos Elementos, de Euclides. Em Maio de 1607, por ocasião da morte de seu pai, dando cumprimento a uma velha tradição chinesa, retirou-se para Xangai (Shanghai 上 海), sua terra natal. Durante a sua permanência e com o seu apoio explícito, foi possível dar início, nesta vila, a uma das mais promissoras comunidades cristãs de toda a missão. O seu regresso a Pequim (Beijing 北京) teve lugar em 1611, cerca de um ano após a morte de Ricci. A intervenção do Doutor Paulo em defesa do Cristianismo teve um dos seus pontos fortes durante o chamado processo de Nanjing, movido pelo vice-presidente do Tribunal dos Ritos desta cidade, entre 1615 e 1617. Não só movimentou toda a sua influência junto dos mais altos mandarins da corte imperial, como redigiu e divulgou uma apologia da fé cristã e acolheu em sua casa vários missionários, pondo seriamente em risco, quer a posição social, quer a própria vida. Com o objectivo de dar visibilidade aos conhecimentos científicos dos missionários e, através deles, granjear a benevolência do imperador e dos mais destacados mandarins para com o Cristianismo, em 1629, exercendo o cargo de subsecretário do Tribunal dos Ritos, Paulo Xu propôs os nomes dos jesuítas Giacomo Rho e Johann Terrenz Schreck para a reforma do calendário chinês. Esta tarefa viria, efectivamente, a ser concluída com êxito em 1635, graças à dedicação e capacidade científica dos padres Rho e Adam Schall, este último em substituição de Schreck, falecido em Maio de 1630. Não raras vezes fez, o Doutor Paulo, uso da sua influência junto do imperador e dos altos dignatários da corte, a favor da cidade de Macau e dos missionários e mercadores portugueses aí residentes. Apesar de ocupar um dos mais importantes e prestigiantes cargos da hierarquia imperial, quando morreu, em Novembro de 1633, encontrava-se tão pobre que não deixou dinheiro suficiente para o funeral. A expensas do erário público, foram os seus restos mortais conduzidos a Xangai (Shanghai 上海) e aí solenemente depositados numa sepultura mandada construir pelo próprio imperador. Considerado por todos como uma das mais firmes colunas da Igreja chinesa, a memória de Paulo Siu permaneceria ainda viva, durante várias gerações de missionários. Testemunha privilegiada dessa memória foi o padre António de Gouvea que, tendo chegado a Xangai (Shanghai 上海) apenas três anos após a sua morte, teve oportunidade não só de ouvir os relatos da sua virtude, mas também de contactar pessoalmente com a esposa, filho e netos, cuja piedade elogiou em várias das suas obras, de que é exemplo expressivo o seguinte passo da Carta Ânua, de 1636: “Fez-se na nossa Igreja um Presepe muito lindo e bem feito, concorrendo para elle com esmolas os netos e netas do Colao […]. A molher do Colao com todas as suas netas vierão à Igreja; nella estiverão toda hua tarde, folgando muito de ver o santo Presepe, perguntando muito meudamente por tudo o que nelle havia. Quando foy pelos Reys, tornarão a vir e ouvirão praticar daquelle misterio; confessarão-se todas e procedem como netas de tão bom christão como foy o Doutor Colao Paulo […]. O filho do Doutor Colao Paulo procede na materia de Christandade como dantes, sempre muito inteiro e grave, muito recolhido e retirado, e com grande cuidado sobre seus filhos e filhas e sobre toda sua familia, que sejão bons christãos e que adorem e sirvão ao verdadeiro Senhor do Ceo”. [H.P.A.] Bibliografia: Biblioteca da Ajuda, Lisboa, Códs. 49-V-1 e 49- V-2; D’ELIA, Pasquale, Fonti Ricciane, 3 vols., (Roma, 1942- 1949); GOUVEA, António de, Cartas Ânuas da China (1636, 1643 a 1649) , (Macau; Lisboa, 1998); SEMEDO, Álvaro, Relação da Grande Monarquia da China, (Macau, 1994).
SIU, DOUTOR PAULO (1562-1633)
BRAGA, MARIA ONDINA SOARES FERNANDES (1932-2003). Maria Ondina Soares Fernandes Braga nasceu em Braga em 1932 e estudou na Alliance Française em Paris, licenciando-se em língua inglesa pela Royal Asiatic Society of Arts de Londres. Foi professsora de Inglês e de Português em Angola, Goa e Macau, residindo em Lisboa desde 1965. Macau e a China estão bem patentes na obra da escritora, que viveu em ambos os locais: entre 1961 e 1965 em Macau, onde foi professora no Colégio Santa Rosa de Lima, e em 1982, em Pequim, tendo leccionado na Secção de Português do Instituto de Línguas Estrangeiras. Em 1965 publicou o seu primeiro livro, Eu Vim para Ver a Terra, no qual reune crónicas de Angola, Goa e Macau. Três anos depois é a vez de dar à estampa alguns contos de inspiração chinesa, escritos em Macau, na obra A China Fica ao Lado, com diversas edições, e traduzida para chinês em 1991. Nesse mesmo ano publicou Nocturno em Macau, obra galardoada com o Prémio Eça de Queirós, da Câmara Municipal de Lisboa. A notória ligação de Ondina Braga à China passa ainda pelo facto de, mesmo a sua autobiografia romanceada, que mais tarde viria a constituir o livro Estátua de Sal, ter sido escrita em Macau (1963), sem, naturalmente, deixar de referir a sua Angústia em Pequim, publicada em 1984. Ciclo este da vida da escritora de alguma forma fechado com Passagem do Cabo (1994), em que, tal como no seu primeiro livro, reune crónicas de Angola, Goa e Macau, sendo, no entanto, patente uma postura de despedida dessas terras que viu. Em Março de 1990, Ondina Braga voltou a Macau, o que se repetiria no ano seguinte, por ocasião do lançamento da versão bilingue de A China Fica ao Lado. As impressões que então colheu da terra que lhe fora tão familiar estão registadas em diversos artigos, crónicas e entrevistas publicados na imprensa local e nacional, de que também foi colaboradora assídua. No Território, Ondina Braga tem publicação dispersa, ao nível literário e ensaístico, nomeadamente na Revista de Cultura e na Macau. Sendo uma das contistas portuguesas mais prestigiadas e galardoadas da actualidade, Maria Ondina Braga, desenvolveu, com igual êxito, a novela, a crónica, a narrativa, a biografia, o ensaio e a tradução. A sua colectânea de contos, A Filha do Juramento, composta por três livros, sendo o segundo deles dedicado à China, publicada em 1995 na cidade de Braga, assinalou a passagem do 30.° aniversário da carreira literária da autora que, entretanto, retomou a vertente autobiográfica e memorialista ficcionada em Vidas Vencidas. – Principais Obras. Romances: Nocturno em Macau, 1991 (2.ª ed., 1993); A Personagem, 1978. Contos: A China Fica ao Lado, 1968 (4.ª ed., 1991); Amor e Morte, 1970; A Revolta das Palavras, 1975; A Filha do Juramento, 1995. Crónicas: Eu Vim para Ver a Terra, 1965; Passagem do Cabo, 1995. Novelas: Os Rostos de Jano, 1973; A Casa Suspensa, 1982; Lua de Sangue, 1986. Narrativa: Angústia em Pequim, 1984 (2.ª ed., 1988). Autobiografias e memórias romanceadas: Estátua de Sal, 1969 (3.ª ed., 1983); Vidas Vencidas, 1999. Publicação de conjunto: A Rosa-de-Jericó (contos escolhidos), 1992. Bibliografia: SENA, Tereza; BASTO, Jorge, Macau nas Palavras, (Macau, 1998).
BRAGA, MARIA ONDINA SOARES FERNANDES (1932-2003)
Autor/repórter, naturalista e explorador austríaco, com interesses nas áreas das Ciências Naturais e da Economia. A convite do arquiduque Maximilian Ferdinand, Karl von Scherzer participa, na qualidade de repórter, numa viagem de circum-navegação com o objectivo de levar a cabo investigação científica no Oceano Pacífico, a bordo da fragata Novara, entre 1857-1859, publicando, em Viena, entre 1864 e 1868, os três volumes do relato da viagem, Reise der Österreischischen Fregatte Novara um die Erde. Em 1869, o explorador acompanha uma segunda viagem à China, ao Japão e à Tailândia, publicando o relato da mesma, em 1872, Fachmännische Berichet über die Österreisch-ungarische Expedition nach Siam, China und Japan 1868-1871, tendo posteriormente desempenhado cargos diplomáticos, quer no Oriente, quer na Europa. O viajante austríaco chega a Macau, a bordo do Sir Charles Forbes, vindo de Hong Kong, em 1858, pouco depois da Guerra do Ópio e da fundação (inglesa) dessa cidade, comparando a beleza do enclave católico à da Victoria protestante. O cariz pitoresco da paisagem humanizada, sobretudo da Praia Grande e das sampanas no porto, é uma constante na descrição da urbe em que os mercadores europeus repousam nos meses de Verão e onde, de acordo com o autor, Camões, exilado, escreveu Os Lusíadas no romântico ambiente da Gruta situada no frondoso parque, criticando o mau gosto do busto do poeta, bem como o tráfico de cules para a América do Sul a partir de Macau. O autor é acolhido e guiado por Herr von Carlowitz, comentando os efeitos da Guerra do Ópio na comunidade estrangeira em Macau, o medo e a insegurança constantes, que já não se sentem nos passeios domingueiros dos inúmeros casais ao longo da Praia Grande e ao som da banda filarmónica. O visitante dirige-se posteriormente para Cantão, encontrando uma cidade ainda a erguer-se do estado de destruição em que a Guerra do Ópio a deixara. [R.M.P.] Bibliografia: DIAS, Jorge, “Macau in the Mid-Nineteenth Century: A Report by the Austrian Explorer Karl Ritter von Scherzer”, in Review of Culture, ano 2, vol. 2, n°s. 7/8, (Macau, Outubro de 1988/Março de 1989), pp. 27-31; NARCISS, George Adolf, Im Fernen Osten: Forscher und Entdecker in Tibet, China, Japan und Korea, 1689-1911, (Tübingen, 1978); VON SCHERZER, Karl Ritter, Reise der Österreischischen Fregatte Novara um die Erde, 3 vols., (Viena, 1864-1868); VON SCHERZER, Karl Ritter, Narrative of the Circumnavigation of the Globe by the Austrian Frigate Novara, Undertaken by Order of the Imperial Government, in the Years 1857, 1858, & 1859, 3 vols., (Londres, 1861-1863); VON WÜLLERSTORF-URBAIR, Bernahard Freiherr, Reise der österreichischen Fregatte Novara um die Erde in den Jahren 1857, 1858, 1859, 3 vols., (Viena, 1867-1875); VON WÜLLERSTORF-URBAIR, Die k. u. k. österreichisch-ungarische Expedition nach Indien, China, Siam und Japan, 1868-1971 […], (Estugarda, 1873).
SCHERZER, KARL RITTER von (1821-1903).
Personagem: | Pessanha, Camilo de Almeida |
Tempo: | Época da República entre 1911 e 1949 |
Após o estabelecimento da RPC em 1949 até 1999 | |
1916 | |
1990 | |
Local: | Portugal - Lisboa |
Palavra-chave: | Poeta |
Português |
Fotografia: | Pires, Daniel |
Fonte: | Arquivo de Macau, documento n.º MNL.01.09f.Icon |
Entidade de coleção: | Arquivo de Macau |
Fornecedor da digitalização: | Arquivo de Macau |
Idioma: | Português |
Tipo: | Imagem |
Fotografia | |
Preto e branco | |
Formato das informações digitais: | TIF, 1324x2000, 7.58MB |
Identificador: | p0001240 |
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