Informações relevantes
Data de atualização: 2020/07/17
Surgimento e mudança da Ribeira Lin Kai de San Kio
Macau e a Rota da Seda: “Macau nos Mapas Antigos” Série de Conhecimentos (I)
Escravo Negro de Macau que Podia Viver no Fundo da Água
Que tipo de país é a China ? O que disseram os primeiros portugueses aqui chegados sobre a China, 1515
Data de atualização: 2020/07/17
CLAVELL, JAMES EDMUND DU MARESQ DE (1924-1994). Romancista nascido em Sidney, Austrália, filho de um membro da Marinha Real, estuda em Portsmouth e na Universidade de Birmingham (1946-1947) e torna-se oficial de artilharia (1940-1946). É capturado pelos japoneses na tomada de Singapura e permanece na prisão de Changi até ao final da Segunda Guerra Mundial (1941-1945). Em 1953 casa com April Stride, ano em que também se muda para os EUA, tornando-se cidadão americano dez anos mais tarde. A partir de 1954 escreve vários argumentos, sendo também realizador e produtor, e apresenta a sua Tese de Doutoramento à Universidade de Maryland em 1980. O autor publica ro¬mances de temática oriental como King Rat (1962), Tai-Pan (1966), Shogun (1975), Noble House (1981), Whirlwind (1986) e Gai-Jin (1993), daí que à sequência destas obras ou aventuras asiáticas se chame “Asian Saga”. Clavell escreve ainda cerca de dez peças de teatro e realiza seis filmes. A temática dos seus romances assenta sobretudo na necessidade de sobrevivência (económica) do ser humano e no confronto e na partilha (multi)cultural, desde as aventuras do mercador isabelino Blackthorne (William Adams), o primeiro inglês a visitar o Japão e a enfrentar os interesses portugueses e holandeses no arquipélago (Shogun), às estratégias políticas do Tai-Pan escocês (Dirk Struan), que tenta manter a face no seio das comunidades chinesa e inglesa em Hong Kong, em meados do século XIX. O romance Noble House continua a saga de Tai-Pan através da administração de Ian Dunross, herdeiro da banking house e dos negócios marítimos internacionais fundados por Struan, marcando Macau presença nos bastidores através do jogo de influência dos traficantes de ouro. Shogun é adaptado para televisão pela NBC através da série com o mesmo nome. No Japão dos samurais e dos Jesuítas portugueses, Blackthorne luta pela sua vida e pelos interesses comerciais ingleses, defendendo-se dos rivais católicos portugueses e dos mercadores holandeses, presenças constantes na acção do romance. Macau, reduto português numa China fechada ao exterior, é referido diversas vezes como origem e destino da Nau do Trato e de missionários que convertem a população nipónica, ou seja, o enclave no delta do rio das Pérolas é sinónimo de comércio, riqueza e evangelização, bem como de tráfico e comércio de armas com o Japão. O narrador descreve de forma sumária o estabelecimento dos portugueses na cidade, a política do governador e o comércio de ouro e prata desenvolvido por “fidalgos” e Jesuítas entre Nagasáqui e o Império do Meio. O território é ainda representado como centro do poder português e ponto estratégico essencial do império luso. Se fosse possível bloquear o comércio de seda da urbe-fortaleza, esta cairia e consequentemente também Malaca e Goa e todo o Estado da Índia. A Cidade do Nome de Deus torna-se não apenas um referente geográfico mas também cultural para os viajantes europeus que, à distância, desejam penetrar na China, privilégio apenas concedido aos portugueses, que transformam a cidade num símbolo católico do Extremo Oriente através do toque dos sinos, da catedral, do incenso e dos cantos em latim dos Jesuítas, símbolos que se estendem ao mar através da lorcha, fruto da comunhão das tecnologias portuguesa e chinesa em Macau, e igualmente presente em Tai-Pan. A acção deste último romance começa em Janeiro de 1841, com a fundação oficial de Hong Kong, que “destruirá” Macau e marcará o fim de uma era. Muitos dos ingleses estabelecem-se no “rochedo” vindos da segurança do interior das muralhas da Cidade do Santo Nome de Deus, sendo, portanto, forçosa a presença desta no imaginário do romance de fundo histórico, até porque muitos dos funcionários portugueses das firmas ocidentais e os comerciantes parses se deslocam com as mesmas. Macau é representada como lar de personagens como Brock e como teatro neutral dos antecedentes da Guerra do Ópio, onde até então as embarcações ocidentais ancoravam e eram medidas antes de se dirigirem para Cantão, longe dos perigos naturais e dos ataques de piratas. O enclave é também um espaço onde permanecem as residentes do sexo feminino e onde os casamentos entre membros das comunidades de língua inglesa são celebrados na capela protestante, um local de romance e diversão entre as trading seasons. A caracterização directa e indirecta do pintor Aristotle Quance aproxima-o de George Chinnery e a do Reverendo Sinclair de Robert Morrison, enquanto personagens euro-asiáticas como Gordon Chen representam os frutos dos casamentos interaciais entre europeus e chinesas em Macau, onde a “vida secreta”, os prazeres carnais e o tráfico de ópio demoram os britânicos, que aí continuam a manter amantes e esposas antes e após o êxodo para Hong Kong. Imagens típicas e motivos literários associados ao enclave como as cadeirinhas, o Chinese Pidgin English, as tríades, os católicos ou “papistas”, o comércio, os artesãos, a experiência e o conhecimento da tradição e medicina chinesas, as igrejas, as casa mediterrâneas, as calçadas, as praças, os jardins, as fortalezas, a língua portuguesa e o bazar chinês contribuem para a formação da cor local, que caracteriza de forma verosímil o “sonolento” espaço da acção, uma imagem de Macau recorrente nas literaturas de expressão inglesa, cuja focalização ou ponto de vista é sobretudo protestante, portanto, um olhar diferente sob(re) a cidade, na qual a mais velha aliança política europeia é quase sempre recordada para benefício quer da administração quer dos visitantes que se passeiam pela Praia Grande. No final do romance, um tufão acompanha o início de um novo ciclo administrativo em Hong Kong, altura em que Macau, pela estrutura das suas habitações e localização geográfica, se torna um local mais seguro, assumindo-se assim o território como um retiro espiritual, cultural e geográfico para os residentes da recém fundada colónia inglesa que irá gradualmente diminuir a importância mundial do território no âmbito das relações comerciais e políticas sino-ocidentais. Bibliografia: CLAVELL, James, Shogun, (Londres, s.d.); CLAVELL, James, Tai-Pan, (Londres, s.d.); DUUS, Peter, Shōgun: A Guide for Classroom Use, (Stanford, 1980); SMITH, Henry (ed.), Learning from Shōgun: Japanese History and Western Fantasy, (Santa Barbara, 1980); PUGA, Rogério Miguel, “Representação de Macau em Tai-Pan (1966), Shōgun (1975) e Noble House (1981), de James Clavell (1924-1994)”, in Actas do 27.º Encontro da Associação Portuguesa de Estudos Anglo-Americanos(APEAA) , 27th International Conference of the Portuguese Association for Anglo-American Studies: Crossroads of History and Culture (2007).
CLAVELL, JAMES EDMUND DU MARESQ DE (1924-1994)
José Inácio de Andrade nasceu no dia 2 de Novembro de 1780 em Santa Maria, Açores. Faleceu em Lisboa no primeiro dia do ano de 1863. Em Lisboa dedicou-se à vida política activa, tendo sido eleito vereador da Câmara Municipal de Lisboa em 1837. No biénio 1838-1839, Inácio de Andrade ocupou a Presidência da Câmara da capital portuguesa. Posteriormente veio a assumir o cargo de Director do Banco de Portugal. José Inácio de Andrade foi um homem do seu tempo, marcado cultural e ideologicamente por uma visão do mundo humanista e individualista, caracterizadora do pensamento liberal. Erudito e dedicado às letras, Inácio de Andrade escreveu em 1835 dois textos que foram publicados em Lisboa: Memória sobre a Destruição dos Piratas da China e o Desembarque dos Ingleses na Cidade de Macau e sua Retirada e Biografia de Rodrigo Ferreira da Costa. A sua ligação ao Oriente teve início nos primeiros anos de Oitocentos com um conjunto de viagens a Macau e à Índia como capitão de navios. Casou duas vezes e foi à sua primeira esposa, Maria Gertrudes de Andrade, que dirigiu as cartas que escreveu e que reuniu na obra Cartas Escriptas da India e da China, as quais constituem um conjunto de cem breves reflexões, publicadas pela primeira vez em dois volumes pela Imprensa Nacional, em 1843. Ao longo desta obra, o autor revela um conhecimento alargado sobre a China, adquirido através das suas viagens que o mantêm ligado ao Oriente durante vinte anos. Cem cartas recheadas de descrições e reflexões sobre o que ia observando e estudando, e que Inácio de Andrade dividiu em dois volumes. As cinquenta cartas que compõem o primeiro volume centram-se no início da sua viagem até à Índia, nalguns aspectos da civilização indiana, na viagem até Macau e à China e, finalmente, na milenar história chinesa. No segundo volume, composto pelas restantes cinquenta cartas, o autor lança um olhar sobre os diferentes aspectos que caracterizam a civilização chinesa, aproveitando para reflectir sobre outros temas. Estas reflexões ajudam-nos a compreender a sua linha de pensamento, com particular realce para as suas constantes comparações entre o Ocidente e as características do Império do Meio. As viagens realizadas por José Inácio de Andrade exerceram sobre o autor um natural fascínio, levando-o a enaltecer os aspectos mais positivos que foi encontrando no seu contacto com os povos e os lugares que visitou. Mantendo o quadro de valores civilizacionais e de referência do Ocidente visíveis na forma como aborda alguns temas, nas reflexões que elabora e nos autores que utiliza para criticar ou para servirem de suporte às suas análises (Adam Smith, Helvecio, Montesquieu, Voltaire, Abade Reynal, Hobbes, Fernão Mendes Pinto, Gaspar da Cruz, Jerónimo Osório, Tomé Pires, entre outros), Inácio de Andrade faz um esforço no sentido de valorizar o ‘outro’ face a si próprio. Não podendo deixar de sublinhar a erudição e a riqueza multidisciplinar que as Cartas Escriptas da India e da China ainda hoje nos revelam, importa destacar o modo como este autor coloca o seu racionalismo e os seus sentimentos ao serviço da civilização visitada, acabando por se render ao exotismo esmagador de um Oriente que, naquele tempo, ainda estava em grande parte por descobrir. Não obstante os limites que a obra revela, relativamente ao grau de profundidade e de precisão dos conhecimentos que nos transmite sobre as civilizações orientais, as Cartas constituem um objecto de estudo em si mesmas, pela riqueza do texto, pelos sentimentos que nos transmitem e pelas ideias que veiculam: o respeito e a admiração por outras civilizações, pelo diferente, base fundamental em que se alicerçou a secular presença portuguesa no Extremo Oriente. Bibliografia: DIAS, Alfredo Gomes, “As Cartas de José Ignacio de Andrade”, in Macau, n.° 1, (Macau, 2000), pp.78-88; ANDRADE, José Ignacio de, Cartas Escriptas da India e da China, (Macau, 1998).
ANDRADE, JOSÉ INÁCIO DE (1780-1863)
ABEEL, DAVID (1804-1846). De nome chinês Ya Bili 雅裨理, é, juntamente com Elijah Bridgman (1801-1861) e Samuel Wells Williams, um dos primeiros missionários norte-americanos a estabelecer-se na China. Oriundo de New Brunswick (Nova Jersey), Abeel estuda no Rutgers College e no Seminário Teológico dessa cidade, desenvolvendo o seu primeiro trabalho pastoral em Athens (Nova Iorque) durante dois anos. O jovem viaja, enquanto missionário da Dutch Reformed Church, para a China, em 1829, como capelão da Seaman’s Friend Society (em Whampoa), tendo o mercador norte-americano D. W. C. Olyphant pago a sua passagem e a de Elijah, por iniciativa do Dr. Morrison. Um anos depois da sua chegada ao Sul da China, Abeel é empregado pela American Board of Commissioners for Foreign Missioners. Por motivos de saúde, o missionário abandona Cantão, em 1833, rumo a Java, ao Sião e a Singapura, visitando ainda a Europa, a caminho dos Estados Unidos, onde encorajaria a realização de futuras missões na China, encontrando-se com Harriett Low, em Inglaterra a 22 de Julho de 1834, onde ajuda a formar a Society for Promoting Female Education in the East. Abeel publica The Claims of the World of the Gospel (1838); The Missionary Conversion of Jerusalem e descreve as suas viagens no Journal of a Residence in China, and the Neighboring Countries; from 1829 to 1833, bem como a sua estada em Macau. A surpresa reina na descrição do enclave cuja aparência europeia (Praia Grande) contrasta com a esterilidade dos territórios e das ilhas ciurcundantes. O autor refere a superfície irregular da urbe, rodeada de campos cultivados, montes, aldeias dispersas, cenários aquáticos, e cuja aparência muda de acordo com a perspectiva ou o local de onde é vista, surpreendendo o visitante. Quanto aos edifícios, a variedade e o tamanho são as suas características mais importantes, encontrando-se a maior parte do território ocupado por chineses. Relativamente à população, e de acordo com uma estatística recente de que o autor tem conhecimento, habitam na cidade cinquenta mil pessoas, das quais quarenta e cinco mil chineses, embora alguns informantes afirmem que a população não excede os trinta ou os trinta e cinco mil habitantes. Macau é ainda a residência das mulheres e famílias dos comerciantes estrangeiros que se deslocam anualmente para Cantão, existindo aí cerca de onze famílias inglesas e uma norte-americana. O viajante resume a história do estabelecimento dos portugueses em Macau desde as lutas destes contra os piratas do mar da China, sendo os primeiros acusados pelos chineses de terem “usurpado” o local. Quanto aos “locais de interesse”, o texto descreve os jardins e a Gruta de Camões, refere a evangelização dos Jesuítas e a construção de igrejas e de um seminário, de onde abrem “contactos com vários pontos do interior” da China, criticando o mau caminho que a propagação da fé tomara na China. No seminário de São José, outrora posse dos Jesuítas, educam-se jovens chineses, às custas do governo português, para serem ordenados e enviados para a China profunda. Como muitos outros visitantes protestantes Abeel estranha o elevado número de igrejas (12) e padres (40) existentes face ao reduzido número de habitantes católicos. O olhar do autor, nem português nem católico, leva-o a descrever alguns factos, a que chama de “superstições”, relatados por habitantes da cidade, nomeadamente a crença em torno do auxílio de Santo António à cidade aquando da invasão holandesa, pois o mesmo aparecera nos ares e derrotara os invasores, milagre que pode ter sido também obra de São João Baptista, uma vez que a batalha teve lugar no dia deste último santo. O governo do território oferece a Santo António uma festa anual que dura treze dias, criticando Abeel os excessos praticados durante a mesma. Também o jornalista norte-americano W. W. Wood refere a “superstição” relacionada com Santo António. O missionário continua a sua reflexão ‘protestante’ e critica a vivência católica ao descrever a procissão de Santo António. O texto refere ainda a existência de templos chineses e descreve o Templo de Á-Má, “uma forma grotesca de superstição pagã”, referindo os serviços religiosos do missionário Robert Morrison na casa deste último, em prol dos sobrecargas da Companhia das Índias inglesa. Abeel aborda assim um dos factores que afastam, em Macau, a comunidade portuguesa das comunidades de língua inglesa, a religião. Em 1842, o missionário visita, de novo, Malaca e outras localidades asiáticas e funda a Missão de Amoy, regressando, doente, aos Estados Unidos, em 1844, vindo a falecer, vítima de tuberculose, dois anos depois. [R.M.P.] Bibliografia: ABEEL, David, Journal of a Residence in China, and the Neighboring Countries; with A Preliminary Essay, on the Commencement and Progress of Missions in the World, (Nova Iorque, 1836 [1834]); ABEEL, David, The Missionary Convention at Jerusalem. Or, an Exhibition of the Claims of the World to the Gospel, (Nova Iorque, 1838); ABEEL, David et alii, “Early Missionaries in Bangkok”, in FARRINGTON, Anthony (ed.), The Journals of Tomlin, Gutzlaff and Abeel, 1828-1832, (Bangkok, 2001); KITTS, Charles R., The United States Odyssey in China, 1784-1990, (Lanham, 1991); LOW, Harriett, “Lights and Shadows of a Macao Life: The Journal of Harriet Low”, in HODGES, Nan P.; HUMMEL, Arthur W. (eds.), Travelling Spinster-Part Two: 1832-1834, (Woodinville, 2002).
Abeel, DAVID
CAMÕES, LUÍS VAZ DE (1517 ou 1524-1579). Desde muito cedo se consolidou a tradição da presença do Poeta em Macau. Contudo, no século XX, a historicidade do facto começou a ser posta em causa, debate que se mantém entre os que defendem aquela e os que sustentam não passar de um mito historiográfico. No entanto, recentes descobertas e pertinentes análises exegéticas parecem vir reforçar a tese da historicidade: – 1. O primeiro indício da presença de Camões em Macau é dado pelo próprio vate, na estância 128 do Canto X do seu poema épico Os Lusíadas: “Este [Mecom] receberá, / plácido e brando, / No seu regaço os Cantos que molhados / Vêm do naufrágio triste e miserando, / Dos procelosos baxos escapados, / Da fome, dos perigos grandes, quando/ Será o injusto mando executado / Naquele cuja lira sonorosa será mais afamada que ditosa”. Tratando-se de factos vindouros relativamente ao feito principal (a viagem de Gama à Índia) e à própria narrativa de Vasco da Gama ao rei de Melinde, Camões coloca neste Canto X uma ninfa, Tétis, a mostrar ao navegador, de um alto cume, o Universo descoberto e a descobrir pelos Portugueses, e a vaticinar-lhe as terras de África e da Ásia que os Portugueses virão a possuir, nomeando todos os grandes ilustres e os lugares teatro de seus feitos. Como em numerosíssimos outros versos, quer da lírica, quer do poema épico, a estância transcrita, que fala de um naufrágio na latitude do Camboja, tem claro pendor autobiográfico. Qual a importância de um naufrágio, no meio de tantas centenas, ocorridos então e desde sempre na gesta oriental dos lusíadas, senão porque dele foi vítima o próprio Poeta e porque a ele estão associados duas importantes relações de causa e efeito, a saber, a salvação dos ‘Cantos’ e um ‘injusto mando’? Para além, claro, da própria sobrevivência do Vate e do seu canto universal. Ora o Camboja situava-se em região vizinha da China e o Mecom é um rio que desagua já em pleno mar do Sul da China; ter navegado por aquela parte do litoral asiático implica uma viagem de Camões de vinda ou de ida para as ‘partes da China’ onde os portugueses estavam estabelecidos. Inserto na descrição das futuras viagens de descoberta e conquista dos portugueses no Índico e Pacífico (não obstante numa descrição de direcção Sul-Norte), o episódio autobiográfico do naufrágio terá sido no regresso de Macau, e nele terá perdido os bens ‘das partes’, de cujo espólio era responsável perante a Casa dos Contos em Goa. Na época em que Camões terá estado em Macau (entre 1563 e 1566), já os portugueses frequentavam os portos da baía de Cantão com à-vontade, desde 1554, pelo menos, e, naquela época, já Macau estava consolidado como estabelecimento único dos portugueses nas ‘partes da China’; em 1563, ‘já Macau era uma cidade’, com, em 1564, uma população de 600 portugueses, a que se somavam os seus escravos e criados, justificando-se plenamente uma provedoria dos defuntos, por motivos bem mais sólidos do que Liampó e Chincheo, que já a tinham. O vaticínio da ninfa, obviamente, está hipotecado ao conhecimento que Camões tem, na época em que escreve, de até onde chegaram esses valerosos Portugueses; ou, tendo em vista a preocupação de Camões de falar do que sabe e conhece em primeira mão, de até onde ele próprio chegou e viu. Por isso, mais adiante (X, 131, 1-2), depois de acabar de descrever a Ásia e a China – sugerindo fortemente que o Poeta evoca um caminho por si percorrido até chegar ao Império do Meio – termina aí a sugestão da viagem feita e põe a ninfa a dizer: ‘Inda outra muita terra se te esconde / Até que venha o tempo de mostrar-se…’. Claramente, o Japão; um lugar a que se vai, a partir de um lugar onde se está. E era, efectivamente, já nessa altura, a partir de Macau (donde não terá passado) que a famosa nau do trato (o kurofoné, o barco negro para os japoneses, por causa da cor de que era pintado) partia para o Japão. Daí trazia prata, de elevada qualidade, essencial para o comércio chinês da seda, da porcelana, e até do ouro. E foi isso que Camões cantou, demonstrando um conhecimento muito preciso deste negócio da prata, principal exportação do Japão: ‘Mas não deixes no mar as Ilhas onde / A Natureza quis mais afamar-se: / Esta, meia escondida, que responde / De longe à China, donde vem buscar-se, / É Japão, onde nace a prata fina, / Que ilustrada será co a Lei divina.’ (X, 131, 3-8). Já Boxer salientaria: ‘Se foi a procura de Cristãos e Especiarias que trouxe os portugueses à Ásia, em primeiro lugar, pode-se dizer que foram os Cristãos e prata as duas estrelas condutoras que em conjunto os guiaram nas suas viagens ao Japão por quase um século’, desde a chegada a Tanegashima, em 1543. Camões pode ter visto partir de Macau a Nau do Trato em direcção ao Japão, assistido ao carregamento no cais de Patane das sedas e do ouro chinês; e assistido, na estação seguinte, à sua chegada, a descarregar a prata em barra destinada a Cantão. – 2. A isto se liga a tradição da ‘Gruta’ de Camões. É que o cais de Patane, que os comerciantes naquela época utilizavam (e que deu origem ao primeiro bairro de Macau) está justamente no sopé do outeiro coroado de penedos que a tradição desde cedo estabeleceu ser frequentada pelo Poeta, aí desfrutando das boas vistas e dos bons ares. Ora, em 1911, o bibliotecário da Ajuda, Dr. Jordão de Feitas, descobriu um manuscrito, do século XVIII, com uma relação de bens de raiz do Colégio de Macau, pertencente aos Jesuítas, que identifica o ‘chão do campo dos patanes’, o mesmo ligado ao Poeta, como os ‘penedos de Camões’, apurando-se ser o lançamento original de, pelo menos, e seguramente, de entre 1632 e 1636 (data em que foi reitor do dito Colégio o padre António Cardim) ou mesmo, com probabilidade, de 1617 (data em que o livro, donde foi transcrito o lançamento, foi iniciado). Camões não era desconhecido dos Jesuítas, que, cedo chegando a Macau, aqui construíram a sua primeira residência em 1565 (foi jesuíta o primeiro bispo de Macau com residência efectiva, em 1568, na sede episcopal) e a sua primeira escola em 1572, esta elevada a Colégio em 1594, com o nome de S. Paulo. Era nos bens de raiz deste que figurava o chão do campo dos patanes, a que deram o nome de ‘penedos de Camões’. A descoberta de Jordão de Freitas veio trazer consistência e rigor histórico à tradição secular, fundada nos biógrafos e cronistas, porque, afinal, fundada na própria memória coeva do povo de Macau, pois não terá sido sem fundamento que o local era conhecido por ‘penedos de Camões’. É sabida a ‘importância da leitura no quotidiano ultramarino dos portugueses residentes ou estantes em paragens orientais e a rapidez da difusão de obras impressas’ entre a Península e o Oriente. Ora, após a publicação do poema épico em 1572, e sobretudo depois da morte, que lhe redobrou a fama, mais a mais com a opressão espanhola a acirrar a nostalgia da independência e sabendo-se de que lado havia estado o Poeta na crise sucessória de 1578-80, rapidamente Os Lusíadas se transformaram numa espécie de evangelho nacionalista. Para os Jesuítas, que melhor forma de resistência do que perpetuar o nome do autor numa das suas propriedades, aquela à qual estava ligada a memória da sua estada em Macau? – 3. Na linha da historicidade, e será o terceiro dos indícios de que falámos, existe outra das descobertas do século XX, a reforçar a atestação documental da tradição: o Cancioneiro de Cristóvão de Borges, colectânea manuscrita de poemas, ao gosto da época, a maioria de Camões, feita pelo desembargador do Paço desse nome, descoberto e publicado pelo professor da Universidade da Califórnia Arthur Lee-Francis Askins em 1979. Nesse cancioneiro podemos ler a 1.ª parte (poema do amor profano, constituída por 200 versos) de umas redondilhas, Sobre os rios que vão, encimadas da seguinte epígrafe: ‘De L. de C. a sua perdição na China’. E, ademais, com data precisa: 1578, o terminus ad quem da colectânea. Ou seja, ainda em vida do Vate. Ora, este desembargador e amante das letras não era uma pessoa qualquer. O Desembargo do Paço era o principal órgão da administração central. Era, por excelência, o Conselho Régio, presidido pelo próprio rei, e os seus membros tinham automaticamente carta de conselheiros. Tinham, além disso, assento na ‘mesa principal’ da casa da justiça, juntamente com o Regedor das Justiças, à qual o rei em regra estava presente. Cristóvão de Borges Peguas de Meireles, natural de Miranda do Douro, antigo juiz dos órfãos em Mirandela, e em Lisboa desde 1567, deve seguramente ter conhecido Camões, ou no mínimo obtido toda a informação sobre ele, pelo menos a atinente à ‘capitulação’ com que vinha de Goa e que sobre ele pesava quando chegou a Cascais em 7 de Abril de 1570. Esta ‘capitulação’, ou artigos de acusação, está relacionada com a perda dos bens ‘das partes’ (viúvas e órfãos dos defuntos), a ambos se referindo o seu biógrafo Pedro de Mariz, e com o “injusto mando executado” a que se refere Camões. Se não chegou a ser julgado e absolvido do crime de peculato no cargo orfanológico, terá sido perdoado pelo Desembargo do Paço, pois justamente a concessão de perdões vinha em primeiro lugar no elenco das cartas de privilégio que era uma das respectivas competências em matéria de graça. Num caso como noutro, Cristóvão de Borges sabia do que falava: ‘De L. de C. a sua perdição na China’. China, entre 1563 e 1566, já só significava Macau. E ‘perdição’, dito por um magistrado, só pode ter ressonância judicial, aliás em consonância com a ‘capitulação’ com que veio do Oriente. E só faz sentido admitir ter sido absolvido ou perdoado, pois só isso é compatível com a curta duração que vai da sua chegada a Cascais, em Abril de 1570, e a data em que se sabe já estar o poema épico na impressão (23 de Setembro de 1571), sabendo-se as várias formalidades a que o Poeta teve de se sujeitar para a impressão da obra (licenças várias, leitura do poema aos censores, alteração de textos por estes imposta, etc.). Não é de enjeitar também a influência no rápido sucesso deste caso do Regedor das Justiças, o mais alto magistrado do país, superior hierárquico de Cristóvão de Borges, com quem o Poeta revelou uma estranha familiaridade, até hoje inexplicada. – 4. Mas a revelação do Cancioneiro de Cristóvão de Borges veio caucionar duas outras fontes documentais da presença de Camões na China: uma, o Cancioneiro de Madrid, onde as mesmas redondilhas “Sobre os rios que vão…” aparecem sob esta epígrafe: ‘O psalmo super flumina, do mesmo poeta o qual compôs, indo para a China no qual caminho fez um grande naufrágio’; a outra, o anónimo comentário feito em 1584 à margem da pág. 187 da edição desse ano de Os Lusíadas: “começando a fortuna fauorecello, & tendo algum fato ja de seu, perdeose na viagem que fez pera a China”. Esta mesma anotação acrescentava que o Poeta compusera “aquelle cancioneiro, que diz: Sobre os rios que vão per Babylonia” na ocasião do naufrágio. Em Camões, Babilónia é Goa, e Sião a pátria longínqua cujas lembranças chorou ‘sobolos rios’. Uma segunda nota, comentando outra estância, esclarecia que Camões aportara “a este reino de Cambaia’ [erro evidente por Camboja], depois de se ter “perdido” na “viagem que fez à China”. – 5. Outros indícios da estada de Camões em Macau são as referências que Pedro de Mariz faz na biografia do Poeta, publicada na edição de 1613 de Os Lusíadas. Mariz, que tinha 30 anos no ano em que Camões morreu, dá conta de o Poeta ter sido provido “Provedor mòr dos defunctos aas partes da China” por um vice-rei (não se equivocou, mas omitiu o nome), tendo perdido “o das partes” no naufrágio que o perdeu, “de que elle faz menção na octava 128 do Cãto 10”, sendo a sugestão do naufrágio a de ter ocorrido no regresso da China. É ele quem fala da prisão do Poeta na Índia. Na mesma edição de Os Lusíadas são publicados uns comentários de Manuel Correia, que teria redigido a pedido de Camões e por este sido instado a publicá-los. Tendo morrido antes de o fazer, os papéis foram a leilão, onde Mariz os comprou e publicou. Aí se fazem referências ao naufrágio no regresso da China e à prisão pelo governador do Estado da Índia, “pela fazenda dos defunctos, que elle trazia a seu cargo, porque foy à China por Prouedor mor dos defuntos”. Se, como já foi demonstrado pela historiografia, o cargo de provedor-mor é altamente improvável que tenha sido exercido pelo Poeta, já o de simples provedor, ou de provedor-menor, se especialmente designado para Macau, não se desarticula daquilo que hoje se sabe já ser Macau a partir de 1560 e das interpretações do que significarão ‘o das partes’, o ‘injusto mando’, a ‘capitulação’ com que veio do Oriente e, sobretudo, porque é a esse cargo que se refere o cronista Diogo do Couto. – 6. Na verdade, e finalmente, Couto (c. 1542-1616) é uma das mais credíveis fontes da gesta oriental dos portugueses, o continuador das Décadas da Ásia iniciadas por João de Barros. E, para além da sua autenticidade, dá-se a circunstância de Couto se contar entre os amigos do ‘Príncipe dos Poetas do seu tempo’. Tendo chegado à Índia em 1559, logo aí terá conhecido o Poeta, pois quando o encontra em 1569 na Ilha de Moçambique trata-o como a um velho amigo e companheiro. E do testemunho de Couto, deixado na versão extensa da Ásia – Década VIII, ficamos a saber que Camões viajara para a China como “provedor dos defuntos” em tempos do governador Francisco Barreto (1555-1558), mas fora-se “perder na costa de Sião, onde se salvarão todos despidos”, donde conseguiu escapar “com as suas Lusiadas como elle diz nellas”. Couto era um homem meticuloso, que desde cedo se tornou coleccionador de materiais históricos, recolhendo de forma sistemática elementos relacionados com a gesta oriental dos portugueses e dispondo dos seus próprios elementos de arquivo, ‘fragmentos’, e ‘lembranças’, como ele próprio afirma. As memórias e as informações orais tiveram sempre uma grande importância nas fontes de Couto, que ouvia toda a gente, procurava pessoas e falava com testemunhas de acontecimentos, e até o inimigo capturado buscava na prisão para registar a versão dele; o que denota bem a sua preocupação pela verdade. Ora Couto teve oportunidade de conviver e conversar na ilha de Moçambique com o Poeta, dele saber das suas ocupações poéticas (por ele sabemos que Camões trabalhava “em hum livro que hia fazendo, que intitulava Parnaso de Luiz de Camões, livro de muita erudição, doutrina e filosofia, o qual lhe furtáram”), dele cuidou e, com outros compatriotas, com quem se fintou, fez embarcar no Santa Clara o Poeta, com quem viajou, de Novembro de 1569 a 7 de Abril de 1570, quando aportaram a Cascais (uma vez que em Lisboa grassava a peste grande). Teve muito tempo para dele ouvir, em primeira mão, a sua narrativa. E provavelmente repetidas vezes, ao longo da viagem de vários meses, de regresso à Pátria. – 7. Infelizmente, a biografia de Camões esteve muitos anos sujeita à manipulação dos herdeiros dos Noronhas e dos Andrades da Anunciada, para esconder os amores do Poeta pelas duas damas da casa de Linhares, a ama (D. Violante, mulher do amo D. Francisco de Noronha, 2.º conde de Linhares) e a filha (D. Joana de Menezes), substituindo o nome de Violante pelo de Catarina e o de Joana pelo de uma moça chinesa, tentando tudo para que a verdade sobre esse e outros episódios da vida do Poeta com ele relacionados ficasse esquecida. O episódio da presença de Camões em Macau acabou por sofrer com isso. O furto da Década VIII, como o do Parnaso de Luiz de Camões, como outras falsificações que a historiografia atesta, foi só mais um desses golpes baixos a que aqueles deitaram mão para proteger o prestígio da poderosa casa fidalga. Também alguns erros, comuns nessa época (cronistas, impressores, revisores, chancelarias, todos os cometeram), contribuiram para obnubilar, durante muito tempo, a verdade sobre a vida do Poeta. Até Couto, ou o seu secretário por ele, ao reescrever a Década VIII em 1615, um ano antes da morte, menciona a nomeação de Camões para o cargo de provedor dos defuntos como em tempos do governador Francisco Barreto, no lugar do vice-rei D. Francisco Coutinho (10.1561-28.2.1564, data da morte). Também Mariz faz uma errada referência, provavelmente não inocente, na edição de 1613: é que não foi o governador Francisco Barreto quem deu a Luís de Camões voz de prisão na Índia, mas D. Antão de Noronha (1564-1569), um vice-rei. E é justamente a um vice-rei, sem o nomear, que Manuel Correia nos seus comentários atribui a voz de prisão (embora noutro passo diga ter sido o governador Francisco Barreto). Detectamos nos biógrafos e cronistas contemporâneos do Poeta um como que querer-e-não-querer dizer a verdade, mas, sem a coragem de a assumir, deixando pistas para lá chegar. Mas Mariz também cometeu erros inocentes: enganou-se no ano de chegada de Camões a Lisboa: 1569 por 1570. E muitos outros podem ser indicados. Por junto e atacado, podemos fixar entre 1563 e 1566 o período durante o qual Camões esteve em Macau; o primeiro porque ainda nesse ano, e na Índia, compôs uma elegia à morte do fidalgo D. Telo de Menezes, então ocorrida;o segundo porque o cargo de provedor dos defuntos era trienal, embora, com muita probabilidade, a função não tenha sido exercida até final. Por uma vez, e por tudo o que ficou dito, a tradição ganhou foros reforçados de autenticidade. Bibliografia: Askins, Arthur Lee-Francis, The Cancioneiro de Cristóvão de Borges (Lisboa, 1979); Cruz, Maria Augusta Lima, Diogo do Couto e a Década 8.ª da Ásia, 2 vols., (Lisboa, 1994); Ferreira, Joaquim, Camões – Dúvidas e Acertos, (Porto, 1960); Loureiro, Rui Manuel, Fidalgos, Missionários e Mandarins – Portugal e a China no Século XVI (Lisboa, 2000); Loureiro, Rui Manuel, “Camões em Macau – Um Mito Historiográfico”, in Revista de Cultura, n.º 7, (Macau, 2003); Ribeiro, Eduardo A. Correia, “Camões – Um Poeta na Periferia de Dois Impérios”, Ponto Final, (Macau, 2006); Saraiva, José Hermano, A Vida Ignorada de Camões – Uma História que o Tempo Censurou, (Mem Martins, 1995); Teixeira, Padre Manuel, Camões Esteve em Macau, (Macau, 1999).
CAMÕES, LUÍS VAZ DE (1517 ou 1524-1579)
Em 1745, Fr. José de Jesus Maria, que terá concluído neste ano a sua Azia Sinica e Japonica, dá-nos as seguintes informações: “De 1735 a 1745, Macau perdeu em naufrágios mais de 11 navios. Em 1745 a população de Macau é de 5 212 cristãos e 5 000 chinas gentios. Compare-se este numero com as 44000 almas que aqui viviam um século antes.Os portugueses do reino são apenas 90; os homens e crianças 1 911 e as mulheres 3 301, parecendo uma cidade de mulheres”. (Cfr. António Martins do Vale, Os Portugueses em Macau (1750-1800). Degredados, ignorantes e ambiciosos ou fiéis vassalos d’El – Rei?, Macau, IPOR, 1997, pp. 220,221,230 e 231).
Azia Sinica e Japonica
BEAUVOIR, CONDE LUDOVIC DE (1846-1929). Visita Macau como acompanhante do duque de Penthiève, primo do rei de Portugal por via materna, em 1867, regressando a França nesse mesmo ano, de onde partira, em 1866, para dar a volta ao mundo. Em 1869, o conde de Beauvoir publica Australie et Java, Siam, Canton, em dois volumes, e três anos mais tarde, Pékin, Yeddo, San Francisco, a terceira parte da sua viagem. O viajante chega ao “pavilhão europeu” a bordo do vapor norte-americano Fire- Dart, em 11 de Fevereiro de 1867, e deambula pelas principais atracções turísticas da cidade, incluindo os barracões onde permanecem os cules antes de serem enviados para o continente americano, prática longamente descrita e criticada. Pelas ruas de Macau, Beauvoir compara as casas de granito a prisões, observando macaenses e mestiços no exterior, onde, após o pôr-do-sol, nada há para ver senão os teatros chineses, descritos pelo autor, embora mais tarde, descreva também as casas de jogo da cidade, Mónaco da China e península em forma de uma pegada humana. São ainda referidos e descritos os fortes, as igrejas e os templos da cidade, bem como a Praia Grande, a Gruta do poeta exilado (Camões), no topo da qual se encontra um “observatório”; a paisagem humana adornada pelas mulheres cobertas de mantilhas e a população do território (125 mil chineses, dois mil portugueses). Breves apontamentos históricos referem a fundação portuguesa da cidade; a morte do governador Ferreira do Amaral; as ocupações militares inglesas da cidade (1802, 1808) e a fundação de Hong Kong, que “mata” o antigo entreposto português, antes da descrição da chegada do autor a Cantão, a bordo de uma canhoneira cedida pelo governador José da Ponte e Horta. Bibliografia: BEAUVOIR, Conde de, Voyage Autour du Monde, (Paris, 1869-1870); BEAUVOIR, Conde de, Java, Siam, Canton, (Paris, 1872); BEAUVOIR, Conde de, Pékin, Yeddo, San Francisco, 5.ª edição, (Paris, 1872); LOMBARD, Denis, “O Conde de Beauvoir e Macau (Fevereiro de 1867): Impressões de Macau do Conde de Beauvoir”, in Revista de Cultura, 2.ª série, n.° 23, (Macau, Abril-Junho de 1995), pp. 96-110.
BEAUVOIR, CONDE LUDOVIC DE (1846-1929)
BRAGA, MARIA ONDINA SOARES FERNANDES (1932-2003). Maria Ondina Soares Fernandes Braga nasceu em Braga em 1932 e estudou na Alliance Française em Paris, licenciando-se em língua inglesa pela Royal Asiatic Society of Arts de Londres. Foi professsora de Inglês e de Português em Angola, Goa e Macau, residindo em Lisboa desde 1965. Macau e a China estão bem patentes na obra da escritora, que viveu em ambos os locais: entre 1961 e 1965 em Macau, onde foi professora no Colégio Santa Rosa de Lima, e em 1982, em Pequim, tendo leccionado na Secção de Português do Instituto de Línguas Estrangeiras. Em 1965 publicou o seu primeiro livro, Eu Vim para Ver a Terra, no qual reune crónicas de Angola, Goa e Macau. Três anos depois é a vez de dar à estampa alguns contos de inspiração chinesa, escritos em Macau, na obra A China Fica ao Lado, com diversas edições, e traduzida para chinês em 1991. Nesse mesmo ano publicou Nocturno em Macau, obra galardoada com o Prémio Eça de Queirós, da Câmara Municipal de Lisboa. A notória ligação de Ondina Braga à China passa ainda pelo facto de, mesmo a sua autobiografia romanceada, que mais tarde viria a constituir o livro Estátua de Sal, ter sido escrita em Macau (1963), sem, naturalmente, deixar de referir a sua Angústia em Pequim, publicada em 1984. Ciclo este da vida da escritora de alguma forma fechado com Passagem do Cabo (1994), em que, tal como no seu primeiro livro, reune crónicas de Angola, Goa e Macau, sendo, no entanto, patente uma postura de despedida dessas terras que viu. Em Março de 1990, Ondina Braga voltou a Macau, o que se repetiria no ano seguinte, por ocasião do lançamento da versão bilingue de A China Fica ao Lado. As impressões que então colheu da terra que lhe fora tão familiar estão registadas em diversos artigos, crónicas e entrevistas publicados na imprensa local e nacional, de que também foi colaboradora assídua. No Território, Ondina Braga tem publicação dispersa, ao nível literário e ensaístico, nomeadamente na Revista de Cultura e na Macau. Sendo uma das contistas portuguesas mais prestigiadas e galardoadas da actualidade, Maria Ondina Braga, desenvolveu, com igual êxito, a novela, a crónica, a narrativa, a biografia, o ensaio e a tradução. A sua colectânea de contos, A Filha do Juramento, composta por três livros, sendo o segundo deles dedicado à China, publicada em 1995 na cidade de Braga, assinalou a passagem do 30.° aniversário da carreira literária da autora que, entretanto, retomou a vertente autobiográfica e memorialista ficcionada em Vidas Vencidas. – Principais Obras. Romances: Nocturno em Macau, 1991 (2.ª ed., 1993); A Personagem, 1978. Contos: A China Fica ao Lado, 1968 (4.ª ed., 1991); Amor e Morte, 1970; A Revolta das Palavras, 1975; A Filha do Juramento, 1995. Crónicas: Eu Vim para Ver a Terra, 1965; Passagem do Cabo, 1995. Novelas: Os Rostos de Jano, 1973; A Casa Suspensa, 1982; Lua de Sangue, 1986. Narrativa: Angústia em Pequim, 1984 (2.ª ed., 1988). Autobiografias e memórias romanceadas: Estátua de Sal, 1969 (3.ª ed., 1983); Vidas Vencidas, 1999. Publicação de conjunto: A Rosa-de-Jericó (contos escolhidos), 1992. Bibliografia: SENA, Tereza; BASTO, Jorge, Macau nas Palavras, (Macau, 1998).
BRAGA, MARIA ONDINA SOARES FERNANDES (1932-2003)
CALDEIRA, CARLOS JOSÉ (1811-1882). Nasceu em Lisboa no dia 23 de Janeiro de 1811, filho natural do desembargador José Vicente Caldeira de Casal Ribeiro e meio-irmão do conde de Casal Ribeiro, José Maria Casal Ribeiro (ministro da Fazenda em 1859 e dos Negócios Estrangeiros em 1860). Casou com Gertrudes da Conceição Caldeira e depois com Maria Maximiana da Madre de Deus Silva. Carlos José Caldeira frequentou a Academia Real de Marinha e desempenhou os cargos de Chefe da Repartição de Estatística do Ministério das Obras Públicas e de Inspector das Alfândegas. Homem dedicado às letras, distinguiu-se como escritor e jornalista, tendo colaborado no Diário de Notícias, Jornal do Comércio, Arquivo Pitoresco, Correio da Europa, Arquivo Universal, Ilustração Luso-Brasileira, Ocidente e Revista Peninsular. Das obras que nos deixou, contam-se, entre outras, Considerações Sobre o Estado das Missões e da Religião na China (1851) e Apontamentos de uma Viagem de Lisboa à China, e da China a Lisboa (1852- 1853). Esta última obra, dividida em dois volumes, resultou da viagem que realizou à China, quando contava cerca de 40 anos de idade. Partiu em Julho de 1850 com destino a Macau, numa viagem que durou 50 dias, e permaneceu no Oriente até finais de 1851. Os seus Apontamentos são, ainda hoje, uma obra de consulta obrigatória para todos aqueles que se dedicam ao estudo de Macau oitocentista, traçando um interessante retrato sobre aquela cidade e apresentando vivas descrições e profundas reflexões sobre outros espaços onde se fazia sentir a presença portuguesa, quer no Oriente quer em África. Permaneceu no Oriente durante dezasseis meses. Para além de ter conhecido Macau e os seus arredores, visitou também Cantão e vários portos do sul da China, até Xangai. Durante a sua permanência em Macau, Carlos José Caldeira colaborou na redacção do Boletim Oficial do Governo de Macau, acompanhando de perto a actividade governativa de Francisco António Gonçalves Cardoso, por quem manifestou profunda simpatia pessoal e admiração política. O nome de Carlos José Caldeira encontra-se ainda associado ao debate iniciado, em grande medida, por D. Sinibaldo de Mas, em torno do iberismo, o qual teve os seus adeptos em Portugal: Latino Coelho, Albano Coutinho e, também, Carlos José Caldeira. Existem referências de que Carlos José Caldeira, o seu primo Jerónimo José da Mata, bispo de Macau, D. Sinibaldo de Mas, embaixador de Espanha na China, Frei João Ferrando, procurador das missões espanholas, e Frei José Foixó, se encontraram várias vezes em Macau, aproveitando para debater a questão da União Ibérica. Acabaram por ir mais longe, projectando criar uma associação de propaganda ibérica na Península, logo que regressassem à Europa. Para José Caldeira este regresso concretizou-se em meados de 1852, cerca de dois anos depois de ter partido. Carlos José Caldeira faleceu em Chelas no dia 30 de Novembro de 1882. Bibliografia: CALDEIRA, Carlos José, Macau em 1850, (Lisboa, 1997); Alfredo Gomes, “A Diplomacia ou a Guerra”, in MacaU (Macau), n.° 37, (Macau, 1995), pp.22-26; DIAS, Alfredo Gomes, “Conquistadores Aposentados…”, in Macau, n.° 74 (Macau, 1998), 1998, pp.116-118; ROCHA, Ilídio, “Um Português na Pista das Sociedades Secretas”, in História, n.° 119, (Lisboa, 1989), pp.21-28.
CALDEIRA, CARLOS JOSÉ (1811-1882)
BRASSEY, LADY ANNA ALLNUT ou BRASSEY, LADY ANNIE (1839-1887). Baronesa inglesa (née Allnut), casada com Lord Thomas Brassey, economista político e governador do estado de Victoria (Austrália) entre 1883 e 1885. A família Brassey parte em 1876, no iate Sunbeam, para uma viagem à volta do mundo que duraria onze meses, e Lady Brassey é autora do popular diário dessa mesma viagem Around the World in the Yatch ‘Sunbeam’ our Home on the Ocean for Eleven Months (1878), ilustrado por A. Y. Bingham. A família visita Macau, partindo de Hong Kong no Flying Cloud e a diarista descreve a localização e o aspecto geral do “primeiro estabelecimento na China, que pertence aos portugueses, “outrora uma cidade agradável, com edifícios esplêndidos”. Curiosamente, a autora justifica o aspecto desolado da urbe e a ausência de mercadores com o facto de Macau se situar na rota dos tufões e com o fim do tráfico dos cules, retirando os lusos rendimento dos jogos como o fan-tan 番攤, descrito pela viajante. A ampla mansão onde a família pernoita é minuciosamente descrita, bem como a mobília da mesma, incluindo os mosquiteiros. Durante o passeio de cadeirinha pela cidade até ao farol da Guia, Anna conclui que Macau tem um aspecto totalmente português, com habitações coloridas e uma boa guarda militar, imagem complementada pelo som dos sinos das inúmeras igrejas do território, “estância favorita dos residentes europeus de Hong Kong viciados no jogo.” O texto sugere ainda os sons da Macau nocturna, nomeadamente os tambores dos guardas que passam de hora a hora com duas batidas, intervaladas em meio minuto. Antes de abandonar o enclave a família diverte-se durante um passeio de junco chinês, rumo à ilha de Chock-Sing-Toon, visitando ainda o Jardim de Camões, as ruínas de São Paulo e as demais deixadas pelo tufão de 1874. Bibliografia: BRASSEY, Lady Anna, A Voyage in the Sunbeam, our Home on the Ocean for Eleven Months, (Londres, 1879); BRASSEY, Lady Anna, In the Trades, the Tropics & the Roaring Forties, ilustrações de G. Pearson, (Londres, 1885); BRASSEY, Lady Anna, Lady Brassey’s Three Voyages in the Sunbeam, (Londres, 1887); BRASSEY, Lady Anna, Around the World in the Yatch ‘Sunbeam’ our Home on the Ocean for Eleven Months, ilustrado por A. Y. Bingham, (Nova Iorque, 1889); MICKLEWRIGHT, Nancy, A Victorian Traveler in the Middle East: The Photography and Travel Writing of Lady Annie Brassey (Burlington, 2002).
BRASSEY, LADY ANNA ALLNUT ou BRASSEY, LADY ANNIE (1839-1887)
Personagem: | Conceição, Deolinda do Carmo Salvado da, 1913-1957 |
Tempo: | Época da República entre 1911 e 1949 |
Após o estabelecimento da RPC em 1949 até 1999$ |
Fonte: | Dicionário Temático de Macau, Volume I, Universidade de Macau, 2010, p. 394. ISBN: 979-99937-1-009-6 |
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