Surgimento e mudança da Ribeira Lin Kai de San Kio
Macau e a Rota da Seda: “Macau nos Mapas Antigos” Série de Conhecimentos (I)
Escravo Negro de Macau que Podia Viver no Fundo da Água
Que tipo de país é a China ? O que disseram os primeiros portugueses aqui chegados sobre a China, 1515
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O projecto “Memória de Macau” foi galardoado com “Estrela de Descobrimento” do “Prémio Global 2024 para Casos Inovadores em Educação do Património Mundial (AWHEIC)”.
Trata-se de um significativo conjunto de cerca de seis mil folhas manuscritas, cronologicamente situadas, na sua grande maioria, entre meados do século XVIII e a primeira metade da centúria seguinte. A temática desta documentação diz respeito às relações entre as autoridades portuguesas e chinesas a propósito do território de Macau, versando múltiplos e variados temas, no âmbito dos contactos ofic
Após meses de preparação, a caravana constituída por três Mitsubishi Pagero, baptizados com os nomes de Macau, Taipa e Coloane partiram, do simbólico Jardim Camões, em Macau, para o II Raide Macau-Lisboa, no dia 27 de julho de 1990.
Chegamos a ver fotografias antigas de Macau, cujos cenários são irreconhecíveis. Agora o fotojornalista Gonçalo Lobo Pinheiro coloca as fotografias antigas de Macau nos cenários actuais, permitindo-nos viajar nos diferentes tempos ......
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CASAL, D. JOÃO DO (?-?). Nasceu em Castelo de Vide, província do Alentejo, por volta de 1641. Doutorou-se em Teologia pela Universidade de Évora. Tinha 49 anos, quando, em 1690, foi nomeado bispo de Macau. Sagrado em Lisboa pelo cardeal Alencastre, que foi assistido pelo arcebispo de Goa, D. Frei Agostinho da Anunciação, embarcou para Goa a 25 de Março de 1691. Chegou a Goa a 18 de Setembro desse mesmo ano e a Macau a 16 de Julho de 1692, sendo o primeiro bispo a governar a diocese desde a morte de D. Diogo Correia Valente, em 1633. Esta prolongada vacância tem-se atribuído ao não reconhecimento da Restauração da Independência de Portugal por parte da Santa Sé, que impediu o restabelecimento das relações diplomáticas com a cúria romana até 1668. Este facto teve a sua influência, mas não explica por si mesmo que só em 1690 se tivesse nomeado um bispo para Macau. Na verdade, esta prolongada dilação foi mais determinada pela Sagrada Congregação de Propaganda Fide, que pretendia confinar o direito de padroado aos territórios politicamente dominados pelo padroeiro, que pela questão do reconhecimento da Independência de Portugal. A nova definição do direito de padroado levantava problemas nas dioceses de Cochim, Cranganor, S. Tomé de Meliapor e Malaca, onde a coroa portuguesa não exercia qualquer domínio político, e ainda em Macau, por este bispado incluir na sua jurisdição toda a China e Indochina, cujos territórios, segundo o princípio dos propagandistas, teriam de ser desintegrados do Padroado Português. A situação das primeiras dioceses ficou resolvida em 1689 com a nomeação dos respectivos bispos, mas o provimento das sés de Macau e de Malaca levantava ainda outros problemas relacionados com a instituição de vicariatos apostólicos, em 1657, no Tonquim, na Cochinchina e na China, e, em 1668, no Sião. O estabelecimento da nova jurisdição eclesiástica não foi reconhecido pela corte portuguesa, mas isso não obstava a que a Santa Sé mantivesse os vigários apostólicos designados antes do reatamento das relações diplomáticas com Portugal. Acresce ainda que o Sumo Pontífice tinha aprovado o estabelecimento dos vicariatos apostólicos sem ter abolido formalmente o Padroado, pelo que passou a funcionar nesses territórios uma dupla jurisdição, que esteve na origem de graves conflitos e de acesas polémicas entre os missionários adstritos ao Padroado e os enviados directamente pela Propaganda Fide. A ascensão do cardeal Pedro Ottoboni ao sólio pontifício em 1689, com o nome de Alexandre VIII, permitiu dar um primeiro passo para que se ultrapassasse o impasse existente entre o Padroado e a Propaganda. A pedido de D. Pedro II, o padre António Rego, assistente em Roma da província portuguesa da Companhia de Jesus, solicitou ao novo pontífice a nomeação de um bispo para Macau e a criação de mais duas dioceses na China. Alexandre VIII tinha estado ligado à Propaganda Fide e pertencido à comissão cardinalícia que tratava dos negócios da China, estando, por isso, bem inteirado das questões que existiam em relação ao Padroado Português. Foi, pois, com grande surpresa que os propagandistas tomaram conhecimento de que o novo Pontífice estava na disposição de criar as duas dioceses solicitadas pelo rei de Portugal para a China. Os cardeais aceitaram a nomeação de um bispo para Macau, desde que fossem claramente definidos os limites territoriais do bispado, e opuseram-se terminantemente à criação dos dois novos bispados, por a sua erecção colidir com os vicariatos apostólicos já em funcionamento no Império do Meio. Alexandre VIII recusou o parecer da Propaganda e aprovou a proposta do rei de Portugal. Esta deliberação, totalmente contrária ao que vinha sendo defendido pela cúria romana desde a criação da Sagrada Congregação da Propaganda, em 1622, tem levantado alguma perplexidade, levando os autores que se têm debruçado sobre esta matéria a sugerir que se tivesse tratado de uma decisão tomada sem a devida ponderação ou sob a influência de factores mais ou menos obscuros. Cremos, porém, que a explicação desta determinação pontifícia se deva buscar, por um lado, nas dissensões introduzidas na China com a entrada dos vigários apostólicos em 1684 e com a chegada dos Jesuítas franceses em 1687 e, por outro, no quadro das tensas relações existentes entre Luís XIV e a corte pontíficia, onde a figura do padre de la Chaize, Jesuíta e confessor do rei, assumiu uma grande importância. Com esta decisão a favor de Portugal, o Papa apenas terá pretendido travar o processo que estava a levar à hegemonia da França nas missões do Sião, da China e da Indochina, evitando o reforço do ‘galicanismo’ que atingia o seu apogeu na França. Foi, portanto, neste quadro que D. João do Casal foi escolhido para bispo de Macau, onde, após a sua chegada em 1692, teve de enfrentar os problemas decorrentes do falecimento de D. Gregório Lopes e da indecisão de D. Frei Bernardino della Chiesa, que esperava por instruções mais concludentes, dado que, com a criação das dioceses, não tinham sido formalmente abolidos os vicariatos apostólicos na China. Além disso, por qualquer razão até hoje não esclarecida, nos documentos portugueses da época, D. Gregório Lopes apareceu designado para a diocese de Pequim, enquanto que D. Frei Bernardino della Chiesa vinha indicado para a de Nanquim. Este equívoco, que os adversários do Padroado sustentam ter sido intencional, motivou situações contraditórias antes de se ter definido a situação, o que só aconteceu com a apresentação de D. Alexandre Cícero para a diocese de Nanquim. Nessa mesma altura, D. Pedro II propôs à Santa Sé que D. Frei Bernardino della Chiesa passasse para Malaca, sendo substituído em Pequim pelo Jesuíta padre Filipe Grimaldi. A oposição da Santa Sé à transferência de Mons. della Chiesa levou a corte portuguesa a propor que o bispado de Macau fosse elevado à categoria de arquidiocese, passando a ter as outras duas dioceses chinesas como sufragâneas. Esta proposta foi igualmente rejeitada, pelo que, após diligências feitas pelo padre Quémener das Missões Estrangeiras de Paris, que tinha sido enviado a Roma como representante dos missionários dependentes da Propaganda Fide, a Santa Sé decidiu que a diocese de Macau ficava com jurisdição sobre as províncias de Guangdong e de Guangxi, ficando o resto do território chinês dividido entre as duas dioceses de Nanquim e de Pequim e os nove vicariatos apostólicos entretanto criados. Ultrapassados estes problemas, D. João do Casal continuou a enfrentar os que decorriam da resistência do Senado de Macau em cumprir a ordem régia que o incumbia de proceder ao pagamento da côngrua episcopal. Esta situação foi em diversas ocasiões objecto de estudo no Conselho Ultramarino, mas nenhuma das decisões viria a ser executada, de modo que só cerca de 1720 se ultrapassou o impasse, assumindo o Senado de Macau a obrigação de satisfazer a côngrua do respectivo bispo. Outra situação altamente problemática vivida por D. João do Casal foi a que decorreu da presença do Patriarca de Antioquia, D. Carlo Tommaso Maillard de Tournon, enviado como Legado a latere à China e que permaneceu em Macau desde 30 de Junho de 1707 até à sua morte a 8 de Julho de 1710. Enviado para ajudar a ultrapassar as graves dissensões que havia entre os missionários na China, o Legado Apostólico acabou por agravar todas as questões devido à sua inflexibilidade e precipitação no que concernia à controvérsia dos ritos chineses. O bispo de Macau não se tinha manifestado claramente nem a favor nem contra a incompatibilidade dos ritos chineses com a doutrina católica, mas a promulgação do decreto do Patriarca de Antioquia, em Nanquim (Nanjing 南京) a 7 de Fevereiro de 1707, obrigou-o a tomar partido pelos missionários que se opunham à aplicação das imposições do Legado Apostólico. Este, no seu diploma, definia as respostas que os missionários deviam dar ao Imperador, quando fossem chamados para receber a autorização para continuarem na China a sua actividade missionária. Na prática, as novas orientações eram contrárias à posição defendida pela maioria dos Jesuítas e conformes com o decreto pontifício de 20 de Novembro de 1704 que condenava os ritos chineses. D. João do Casal opôs-se à execução das deliberações do Legado Apostólico, apresentando um agravo e uma apelação ao Papa. Com este expediente, o bispo desobrigava os missionários da sua diocese de obedecerem às determinações do Patriarca de Antioquia, mas contrariava a sua anterior declaração de que reconhecia e obedecia a Mons. de Tournon como representante pontifício. Com efeito, em 1705, quando o Legado ia a caminho de Pequim, o bispo de Macau tinha-se deslocado com o governador José da Gama Machado à Ilha Verde, a fim de lhe apresentar cumprimentos. O prelado romano tinha chegado ao largo de Macau a 2 de Abril de 1705, e como viesse com o propósito de não entrar nos domínios portugueses, apenas se deslocou à Ilha Verde, propriedade dos Jesuítas, onde pernoitou de 4 para 5 de Abril. Na manhã desse mesmo dia dirigiu-se para Cantão, e foi desde esta cidade que o Legado Apostólico exigiu ao bispo de Macau que publicasse o Breve Pontifício, que lhe tinha entregue no apressado encontro que tinham tido na Ilha Verde. O prelado macaense, que tinha recebido ordens do vice-rei da Goa para receber condignamente o representante pontifício, acedeu às suas imposições, publicando o breve em que declarava reconhecer Mons. de Tournon como Legado Apostólico. Entretanto informou as instâncias de Goa e pediu instruções mais rigorosas sobre esta matéria. O Arcebispo Primaz e o vice-rei responderam proibindo o reconhecimento da jurisdição do Legado Apostólico e a obrigatoriedade de o impedirem de exercer qualquer autoridade em territórios adstritos ao Padroado. Estas novas imposições estiveram na origem dos graves conflitos e contendas que ocorreram em Macau entre 1707 e 1710. O Patriarca de Antioquia insistia na sua pretensão de exercer a sua jurisdição em Macau e o bispo, com o apoio do governador Diogo de Pinho Teixeira, opôs-se por todos os meios a que o prelado romano conseguisse concretizar o seu intento. Neste preciso contexto se devem integrar as excomunhões que mutuamente decretaram e que só foram levantadas quando o novo Legado Apostólico, D. Carlo Ambrogio Mezzabarba, passou por Macau em 1719. Dividido entre a necessidade de obedecer às orientações pontíficias e a fidelidade ao rei de Portugal, D. João do Casal foi criticado pelo cardeal de Tournon por se ter deixado dominar pelos Jesuítas e censurado pelo governador de Macau e pelo vice-rei da Índia por não se empenhar decididamente na defesa dos direitos e regalias do monarca português. O bispo manifestou, de facto, algumas hesitações e parece ter agido mais por pressão dos Jesuítas e do governador de Macau do que por convicção. Era certamente um convicto defensor do Padroado, mas, tal como os seus sucessores no século XVIII, não manifestou um grande empenho em cuidar directamente as duas províncias chinesas que integravam a diocese. O rei recomendava, no início de setecentos, a visita do bispo àquelas cristandades, mas os detractores do Padroado continuaram a criticar o facto de o prelado macaense entregar o governo dessas importantes parcelas do bispado, situa¬das além das Portas do Cerco, a um vigário forâneo. Para além do múnus episcopal, D. João do Casal interveio intensamente na vida da cidade desde que chegou a Macau. No final de seiscentos, alertava para a carência de moradores e para os desmandos de alguns gover-nadores. Nos muitos anos que permaneceu em Macau, testemunhou períodos de violentas contendas entre os governadores e o Senado, destacando-se neste capítulo os episódios que envolveram Diogo de Pinho Teixeira, no final do seu mandato, e o seu sucessor Francisco de Melo e Castro. Mais tarde, testemunhou os excessos de D. Cristóvão Severim Manuel, considerando que, dos muitos governadores que tinham passado por Macau, nenhum tinha sido tão desrespeitador das ordens régias como este. Nos últimos anos assistiu aos conflitos que eclodiram entre o governador António Moniz Barreto e o ouvidor António Moreira de Sousa. Nos últimos meses de vida exerceu interinamente o cargo de governador, na sequência do extemporâneo regresso de António Amaral de Meneses a Goa. Tomou posse em Janeiro de 1734 e entregou o governo a Cosme Damião Pereira Pinto em Agosto de 1735. Este foi, certamente, o seu último acto público, porque em Setembro desse mesmo ano viria a falecer com 94 anos de idade, 44 de episcopado e 42 de vividos em Macau. Bibliografia: GUENNOU, Jean, Missions Étrangères de Paris, (Paris, 1986) ; METZELER, J. (dir.), Sacra Congregationis Propaganda Fide Memoriae Rerum 1622-1972, vol. I, 2 tms., (Roma, 1972-1973); MENSAERT, Georges, L’établissement de la Hierarchie Catholique en Chine de 1684 a 1721, (Florença, 1953) ; REGO, António da Silva, O Padroado Português do Oriente. Esboço Histórico, (Lisboa, 1940); TEIXEIRA, Manuel, Macau e a sua Diocese, vol. II, (Macau, 1940); TEIXEIRA, Padre Manuel, Macau e a sua Diocese, vol. XIII, (Macau, 1977).
A historiografia portuguesa da história da expansão e do colonialismo esquece com excessiva frequência a dimensão do fenómeno da escravatura, no império que Portugal acreditava ter erguido desde os primeiros anos do século XVI para ficar sub specie aeternam. Esta omissão, apesar de compensada por algumas investigações mais recentes que cruzam qualidade e rigor, tem também explicações documentais: a condição de escravo significava uma situação social e jurídica marcada praticamente pela ausência de direitos, encravada no interior de uma profunda subalternidade social, deixando, por isso, muito poucos registos e fontes que, quando existem, se mostram geralmente comprometidos com actividades oficiais de controlo e repressão ou com a exploração e poderes dos grupos sociais superiores da sociedade colonial. A escravatura dos tráficos africanos inaugurada ainda no século XV, para, mais tarde, durante três séculos, se dirigir esmagadoramente para as economias e sociedades das Américas, constitui um domínio que, apesar de mais estudado e polemizado, testemunha as dificuldades de uma investigação escorada em sólido apoio documental, tantas vezes limitadoa alguns esparsos registos de séries de cargas marítimas ou prazos coloniais em que a posse da grande terra convocava a produção do escravo. Mudando de horizonte geográfico colonial, os grupos de escravos que circulavam nos enclaves asiáticos portugueses – fortalezas aqui, feitorias além, assim como uma ou outra rara cidade, entre soberania consentida e negociações continuadas –deixaram algumas pistas memoriais e documentais, sobretudo ligadas à expressão do aparato oriental tanto como aos pequenos sucessos forçados da evangelização missionária católica, alimentando a epistolografia oficial das conversões graças à cristianização de segmentos sociais reduzidos à escravidão. Ao contrário, também, da escravatura dominante nos espaços metropolitanos, que recolhia já uma demorada tradição feudal de servidão agrícola, já a convocação moderna dessas populações africanas exploradas pela produção industrial e obrigadas a serviços domésticos subalternos, a escravatura que domina a história colonial de Macau organiza-se a partir de estruturas de trato comercial e de relações de dominação étnicas locais. Estas especializações ditaram também diferenças substanciais na ordem jurídica. Com efeito, se a escravatura metropolitana, do Brasil ou da África coloniais, se caracterizou praticamente até ao pombalismo setecentista por uma evidente ausência de direitos, tratando o escravo como artigo ou peça meramente comercial, já as populações escravas em Macau não apenas transportaram “direitos” étnicos e locais consigo, como foram também recebendo diversos direitos determinados por uma intensa mobilidade, ditada por modalidades de resgate, compra, transmissão e enquadramento sócio-institucional. Os escassos portugueses e mesmo a sua mais generosa descendência euro-asiática mantiveram sempre no território macaense um número considerável de escravos obrigados a cumprir vários serviços que, da protecção familiar e de bens, da milícia privada ao transporte, passando pelos trabalhos domésticos, enformaram formas de enquadramento e transmissão que geraram alguns direitos aprofundados pela mobilização de instituições eclesiásticas e religiosas na conversão católica destes escravos. Neste campo, a principal instituição social que movimentava e procurava controlar – falar de “assistência” mostra-se anacrónico até bem entrado o século XIX – a escravatura, que circulava e se instalava em Macau, era a Santa Casa da Misericórdia. A grande confraria macaense beneficiava de uma colecção importante de privilégios que, no domínio do escravidão asiática, havia começado por ser doada por decisão régia à casa de Goa, para poder enfrentar os problemas de doença e indigência de escravos geralmente obrigados a abraçar a fécristã. Assim, desde 1532, a Misericórdia goesa encontrava-se autorizada a vender escravos e, a partir de 1549, monopolizava mesmo o acolhimento dos escravos desamparados por doença que, depois de curados, podiam ser comercializados pela confraria. Nos anos finais do século XVI, os privilégios que concediam às poucas Misericórdias erguidas na Ásia o monopólio da caridade escrava transmitem-se também à Santa Casa de Macau. Identifica-se a partir dos anos finais de Quinhentos uma preciosa série documental de testamentos e legados pios que organiza este monopólio de assistência e controla a situação social da escravatura. Logo em 1593, por exemplo, Catarina Fernandes oferecia à Misericórdia macaense, em testamento “uma moça casta China de nome Ana que deixo com vinte pardaus”, encarregando a Santa Casa da sua educação cristã e futuro matrimónio. Trata-se de uma prática que se recupera em muitos outros testamentos e doações piedosos, especializando direitos de transmissão e protecção importantes dos escravos de Macau, como se comprova neste outro caso exemplar, datando de 1602, descobrindo-se Manuel Gomes Coelho a legar à Misericórdia “uma menina casta China que comprei de nome Maria a criar” e “um menino foro de nome Antoninho com 150 pardaus”. Tanto a jovem escrava chinesa como o rapaz que agora se tornava livre eram praticamente dados à Santa Casa contra esse dote monetário, esperando em troca o testador que a confraria pudesse encarregar-se da sua formação religiosa e da sua futura inserção social e profissional na sociedade cristã de Macau. Noutra situação de finais do século XVI, Luísa Lobato, viúva de Cristóvão Soares Monterroso, declarava possuir uma escrava “menina casta china que ainda não é cristã e mais outra moça casta china”, mandando que fossem vendidas pela Misericórdia e que o lucro fosse aplicado na criação de órfãos. Ao mesmo tempo, esta rica viúva legava ainda à Santa Casa “uma moça casta japoa de nome Madalena que deixo fora”, legando dez pardaus para a sua criação. Nos começos do século XVII, encontram-se testamentos e legados pios de escravos que alargam os horizontes geográficos da escravatura reunida em Macau, como neste caso em que Pedro de Rovoredo decide deixar à confraria “duas moças castas coreias, Angela e Helena com 20 pardaus”. Em 1610, recupera-se outra modalidade de transmissão da escravatura feminina à Santa Casa macaense quando D. Isabel Taveira decide deixar “duas moças castas chinas para servirem quinze anos na Misericórdia”. Trata-se de alimentar com escravatura os serviços domésticos e assistenciais mais subalternos da Misericórdia e dos seus hospitais: lavar doentes incuráveis, pensar os que tinham doenças contagiosas, lavar, despejar, cozinhar, fazer o pão ou concorrer até para a estabilidade dos mercados sexuais e nupciais locais da população masculina cristã. Em termos geográficos, depois de algumas incursões de resgate em ilhas das Filipinas, progressivamente limitadas pelo desenvolvimento da colonização espanhola, o enclave colonial português de Macau recruta, compra e rapta escravos em vários espaços do Sul e Sudeste Asiático, apesar de um recurso maioritário progressivamente apostado em negociar a compra de escravos chineses. A escravatura era uma situação social conhecida na China, estendendo-se da escravidão política à marginalização servil das populações pobres que, reduzidas a uma recorrente miséria, chegavam frequentemente a vender as suas filhas, as muitsai(meizai 妹仔 ). Apesar de várias oposições do poder régio central, muitos comerciantes e soldados portugueses compraram e raptaram estas crianças chinesas que, desde finais do século XVI, espalharam pelos enclaves coloniais asiáticos. Mais raramente, como no caso célebre do escravo chinês de João de Barros, trabalhador activo na tradução e compilação de textos sínicos, alguma escravatura chinesa chegava aos espaços metropolitanos e europeus que, a partir de finais do século XVII, começarão a apreciar cada vez mais a qualidadedos criados chineses, sobretudo a sua especialização gastronómica. Paralelamente, Macau encontrará desde finais do século XVI em Timor e nas suas ilhas adjacentes uma fonte continuada de tráfico de escravos. A companhando o lucrativo comércio do sândalo ou da cera, que alimentava as indústrias artesanais javanesas do batik, o trato de escravos timorenses representava um outro produto economicamente rentável que foi alimentando o monopólio mercantil de Timor, organizado a partir de Macau nos séculos XVII e XVIII. Sublinhe-se que o recrutamento de escravos na região de Timor se fazia muito raramente através de incursões directas violentas de resgate, antes preferindo frequentar os tratos e negociações que utilizavam escravos oriundos da intensa conflitualidade intra-linhageira local. A documentação disponível esclarece o emprego da escravatura timorense tanto em serviços domésticos privados como em trabalhos para instituições religiosas e sociais, como a própria Santa Casa de Macau, percebendo-se ainda que, só muito limitadamente, conseguiam as escravas timorenses aceder ao casamento no interior das famílias minoritárias de portugueses e euro-asiáticos instalados, mesmo tendo em conta a escassez crónica da oferta do mercado nupcial feminino do enclave. A Misericórdia de Macau consagrou, no seu Compromisso de 1627, o emprego de escravos timorenses. Aqui e ali, com alguma fortuna, tropeça-se em algumas referências documentais com a escravatura vinda de outros espaços do Sudeste Asiático, de Myanmar a Java, da Malásia às Molucas, da Coreia ao Japão, mas trata-se quase sempre de escravatura ocasional resultando de actividades de corso, mobilização mercenária ou recompensando alianças comerciais circunstanciais. Em nenhum dos casos conhecidos se visitam resgates estruturados, sistemáticos, alimentando tratos massivos continuados, reconhecendo-se esse modelo que, entre epopeia colonial e exotismo orientalizante, reproduz esse caso tópico célebre do “escravo javanês” do poeta Luís de Camões, cantado entre companheirismo e criadagem. Para além da diversida de geográfica, a estrutura da escravatura instalada em Macau destaca uma outra dimensão especializada: o género. Trata-se de um fenómeno que afecta maioritariamente a condição feminina, em estreita comunicação com a necessidade complexa de estabilizar um mercado nupcial feminino em que fosse possível encontrar as jovens mulheres cristianizadas capazes de assegurar casamentos e concubinatos à escassa população masculina de origem portuguesa. Nos primeiros anos da presença colonial em Macau, os portugueses não se casavam, ou misturavam-se pouco, com mulheres locais, preferindo essas jovens oriundas da Coreia, do Japão ou do mundo malaio-indonésio. Mais tarde, ganha importância fundamental o recrutamento juvenil de muitsai (meizai 妹仔) que, negociadas tanto em Macau como em Cantão e noutros espaços do império chinês, alimentam até ao século XIX o mercado nupcial feminino da região. Quanto à protecção e discussão da escravidão, não é ainda suficientemente conhecida a actividade da instituição pouco estudada que, seguindo o modelo colonial português na Índia, era também conhecida em Macau como “pai dos cristãos”. Tratava-se de um missionário especialmente dedicado ao trabalho religioso e social com os recém-convertidos, muitos dos quais eram precisamente escravos. Reconhecem-se documentalmente alguns esforços do “pai dos cristãos” no sentido da limitação do tráfico infantil e feminino quer de populações colonizadas, das Filipinas a Timor, quer das muitsai ( meizai妹仔) negociadas em territórios chineses, em qualquer dos casos sem controverter a situação dos escravos da sociedade colonial. Em 1715, por exemplo, o “pai dos cristãos” opôs-se firmemente ao tráfico de crianças e chegou mesmo a libertar algumas escravas. O Senado de Macau queixou-se junto do vice-rei destas intromissões do missionário, recebendo apoio das autoridades coloniais portuguesas do “Estado da Índia”. Críticas mais sérias e sistemáticas à violência da escravatura, nomeadamente contra o tráfico de muitsai ( meizai妹仔), consolidam-se a partir de meados do século XVIII, como se visita na obra referencial do bispo franciscano Frei Hilário de Santa Rosa (1739-1752), levantando-se contra a extrema violênciado tráfico, distribuindo excomunhões contra certos vendedores pouco escrupulosos e opondo-se ao trato infamante de crianças chinesas. O conhecido prelado franciscano defendeu igualmente as jovens escravas timorenses e indianas, importadas para alimentarem em Macau a prostituição, colocando-se, assim, numa longa linha de críticas eclesiásticas e religiosas aos aspectos mais dramáticos do comércio de escravos, expressando-se desde o século XVII em constituições sinodais, proclamações diocesanas ou na pregação de alguns missionários, sobretudo jesuítas em missão na China, frequentemente acossados e criticados face à violência do tráfico e rapto de crianças chinesas e asiáticas. D. Hilário de Santa Rosa teve também de enfrentar a oposição do Leal Senado, especialmente preocupado pelo bispo recolher e esconder muitas das crianças escravas chinesas e timorenses trazidas para a cidade. Em 1758, inspirado pela política colonial comercial pombalina, D. José aboliu formalmente o tráfico de escravos chineses, mas, ao mesmo tempo, destacando os equívocos destas políticas, proibiu o bispo macaense de interferir com o transporte de jovens timorenses para o enclave português do Rio das Pérolas. Os equilíbrios complexos entre os interesses comerciais coloniais representados pelo Leal Senado e as novas pastorais humanitárias de alguns responsáveis diocesanos ajudam a explicar que, ainda nas primeiras décadas do século XIX, Macau continuasse a acolher uma população de escravos com algum peso, entre cinco centenas a um milhar de pessoas, sobretudo do sexo feminino. A obra pioneira de José de Aquino Guimarães e Freitas intitulada Memória de Macau, publicada em prelos de Coimbra, em 1828, continuava a esclarecer uma sociedade colonial escorada na exploração de escravos, adiantando mesmo estimativas com alguma proximidade que, no domínio da população cristã, recenseavam na freguesia da Sé 248 escravos, na freguesia de S. Lourenço 236, enquanto na pequena freguesia de S. António se contavam 53 escravos. Uma situação finalmente infirmada com as luzes liberais do abolicionismo que, ganhando progressivamente foros de direito, haveria, com maior ou menor empenho, por alcançar também os vários espaços coloniais da presença portuguesa na Ásia. Em 10 de Dezembro de 1836, um decreto inspirado pelo visconde de Sá da Bandeira decide proibir a importação e exportação de escravos nas colónias portuguesas a sul do equador. As duas décadas seguintes multiplicam as medidas abolicionistas, como acontece em legislação publicada em 30 de Junho de 1856, impondo a libertação dos escravos pertencentes às Câmaras e Misericórdias. Apesar de várias reacções hostis de traficantes e autoridades locais coloniais, a extinção da escravatura em todos os espaços coloniais portugueses seria decididamente decretada em 28 de Fevereiro de 1869. [I.C.S.] Bibliografia: BOXER, C. R., Fidalgos no Extremo Oriente, (Macau, 1990); FREITAS, José de Aquino Guimarães e, Memoria de Macao, (Coimbra, 1826); LJUNGSTEDT, Anders, An Historical Sketch of the Portuguese Settlements in China and of the Roman Catholic Church and Mission in China & Description of the City of Canton, (Hong Kong, 1992); SOUSA, Ivo Carneiro de, História do Portugal Moderno. Economia e Sociedade, (Lisboa, 1998); TEIXEIRA, Padre Manuel, Macau e a sua Diocese, vol. II, (Macau, 1940).
No dia 30 de Junho de 1851, a lorcha Adamastor que saiu de Macau armada em guerra para patrulhas nas costas do norte, devido às inúmeras queixas das lorchas portuguesas, encontrou fundeadas próximo da ilha de Miaow duas lorchas e algumas somas que tratou de registar. Como uma dessas embarcações hasteasse a bandeira inglesa, o comandante da Adamastor mandou-a visitar por um oficial. A lorcha era tripulada apenas por chineses e o único inglês que nela se encontrava e que se intitulava de capitão, sem possuir os documentos legais, foi levado a bordo da Adamastor, a fim de ser conduzido para Shangai. O inglês pediu, porém, para voltar para a embarcação, a fim de buscar a sua roupa, sendo acompanhado pelo passageiro Carlos José Caldeira, como intérprete de inglês, e pelo 2.º Tenente da Marinha, José António Pereira de Miranda, que tinha ordens para trazer o chinês, dono da embarcação. Tendo este resistido, Miranda impeliu-o para o portaló, sendo então atacado por 30 chineses que lhe cravaram um taifo no peito, sem lhe darem tempo para puxar pela sua espada para se defender. Carlos Caldeira conseguiu escapar e a Adamastor rompeu fogo sobre os piratas cuja embarcação, de melhor andamento, conseguiu fugir.
No dia 30 de Junho de 1852, o Governador Isidoro Francisco Guimarães faz publicar em Boletim Oficial desta data o processo de pagamento da décima anual que deve ser colectada à povoação da Taipa. Os cabeças de povoação da Ilha da Taipa deverão responsabilizar-se perante os habitantes e o governo como cobradores das 600 patacas anuais relativas à décima.
No dia 11 de Junho de 1882, os benefícios operados nas povoações das Ilhas passam pela iluminação que tem sido arrematada em hasta pública desde 1879, havendo até à presente data 154 candeeiros nos edifícios do governo, sendo 19 a petróleo e 17 a azeite. O contrato de arrematação finda a 30 de Junho, seguindo-se-lhe, nessa área, a responsabilidade directa do Governo.
Pelo Anúncio de 30 de Junho de 1931, a Direcção dos Serviços de Fazenda e Contabilidade faz público que no dia 28 de Agosto próximo, se procederá a arrematação do exclusivo das loterias Pacapio e Sanpio em Macau, Taipa e Coloane, pelo tempo a decorrer desde 1 de Janeiro de 1932 a 31 de Dezembro de 1934, sendo a base de arrematação em $140.760,00 sem adicional algum.
Em 1937 chegam as 57.ª (30 de Junho), 58.ª e 59.ª (ambas em 24 de Outubro) Companhias Indígenas Expedicionárias, de Moçambique e a Bateria Mista de Artilharia (24 de Outubro), também de Moçambique. A Marinha é igualmente reforçada com o Navio de 1.ª classe Afonso de Albuquerque e 4 hidroaviões, sendo restabelecida a Aviação Naval, que tinha sido extinta em 1933 (Cfr. Cação, Armando A. A. - Unidades Militares de Macau - IOM, Macau, 1959. e Silva, Fernando David e - Oficinas Navais de Macau - Cem Anos De Construção e Reparação Naval. Ed. M.M.M./S.T.D.M. (Macau, 1993). p. 40. Cfr. Silva, Beatria Basto da, Cronologia, da História de Macau, Vol. III, 1945, Janeiro, 16).
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