D. Frei Alexandre de Gouveia, bispo de Pequim, nasceu em Évora, em 1751. De origem humilde, foi lhe destinada a carreira eclesiástica, tendo entrado na Ordem Terceira Regular de S. Francisco em 1769. Estudou em Lisboa, no convento de Jesus, e na Universidade de Coimbra, sendo o primeiro licenciado em Matemáticas após a reforma pombalina de 1772. Dados os seus conhecimentos de Matemática e Astronomia, foi nomeado bispo de Pequim em 1782 e, no ano seguinte, partiu para a sua diocese. Na corte chinesa ia ser aceite como cientista, ao serviço do imperador da China. Partiu para Goa em Abril de 1783, na nau Poliferno ou St. António, e levou com ele as chamadas Instruções para o Bispo de Pequim, um conjunto de normas e directivas que devia implementar junto da corte chinesa, sobretudo para defesa dos supostos direitos portugueses sobre a cidade de Macau. Depois de uma longa estada na Índia e em Macau, onde reabriu o Seminário de S. José, só chegou a Pequim em Janeiro de 1785. Encontrou os mais de vinte padres europeus da sua diocese divididos entre si e muitos dos sacerdotes que missionavam nas províncias chinesas presos nas cadeias da capital. Hábil, cuidadoso no trato com os missionários e com os mandarins, D. Frei Alexandre de Gouveia conseguiu serenar ânimos e contribuir para a libertação dos missionários presos. Mas nada pôde fazer para dar conteúdo às Instruções que recebera em Lisboa e haviam sido aumentadas por D. Federico Guilherme de Sousa, governador da Índia, e pelo Senado de Macau. Em carta ao ministro Martinho de Mello e Castro, em Novembro de 1786, diz o bispo: 'Pello que a mim respeita, eu tendo entrado na qualidade de Mathematico não faço aqui figura differente do resto dos Missionarias Europeos. Os Ministros sabem ser eu o Superior dos Europeos e dos Chinas Christãos nunca contudo me reconhecem tal nem me dão tratamento distinto.' Noutra carta, ao seu amigo D. Frei Manuel do Cenáculo, escrita no mês anterior, D. Frei Alexandre explica: 'A respeito da minha comissão, eu como não entrei com este character [de embaixador] em nada posso beneficiar Macao. A nossa Corte está totalmente às escuras a respeito das cousas da China.' Em 1787, D. Frei Alexandre de Gouveia passou a desempenhar as funções de qian fu (jianfu 監副), vice-director do Observatório Imperial, tendo ascendido, em 1795, a qianzheng (jianzheng 監正), director do mesmo Observatório. Os nossos missionários, quando exerciam estas funções, costumavam autodenominar-se 'vice-presidentes' e 'presidentes' do Tribunal das Matemáticas e Astronomia, cargos que existiam, de facto, mas eram sempre entregues a dois e quatro altos mandarins de etnia manchu e chinesa, respectivamente. Muitos silêncios povoaram o perpassar dos anos, muitas dificuldades encontrou no trabalho de missionação, com uma enorme carência de religiosos europeus para continuar o labor missionário em Pequim, mas, até à sua morte, a 6 de Julho de 1808, O. Frei Alexandre de Gouveia não deixou nunca de trabalhar e lutar pela sua diocese e, na sua correspondência enviada para Macau, Lisboa e Roma, deu singular testemunho da sua fé, da China e do seu tempo. Recolheu-se na catedral, a igreja de Nantang 南堂 ou da Imaculada Conceição, ainda hoje existente em Pequim, em Xuanwumen 玄武門, e aberta ao culto católico. No pátio anexo criou um pequeno seminário para a educação de jovens chineses, alindou osespaços da igreja, enriqueceu-a com a sua excelente biblioteca. Foi durante os anos de bispado de O. Frei Alexandre de Gouveia que se reinciaram e desenvolveram as relações entre os missionários europeus em Pequim e os cristãos da Coreia. Disso mesmo nos deu o bispo um vivo retrato na Carta ao Exm.o e Rm. o Bispo de Calandro, sobre a introdução e progresso do Christianismo na peninsula da Corea desde 1784 athe 1797, o seu único trabalho impresso editado em Lisboa, em 1808. Aos 57 anos, após um lauto jantar oferecido aos outros missionários portugueses residentes em Pequim, O. Frei Alexandre de Gouveia falecia, vítima de um fulminante ataque cardíaco, na residência episcopal de Verão, em Haidian 海澱, nos arredores da capital chinesa. Foi enterrado em lugar de destaque no velho cemitério católico de Zhalan 柵欄, em Pequim. [A.J.G.A.]
Bibliografia: Encontram-se quase duas centenas de cartas de O. Frei Alexandre de Gouveia nas seguintes bibliotecas e arquivos:Biblioteca Pública /Arquivo Distrital de Évora, códices CXXVII/1-5, CXVI/ 1-2 e CIX/2-11 ; Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa, manuscritos vermelhos, códices 120, 211 , 350, 505, 907, 909 e manuscritos azuis, 5663; Arquivo Histórico Ultramarino, caixas Macau, dos n.o 14 a 27, e Maços José de Torres, 540; Biblioteca da Ajuda, Lisboa, códices 50.1 .66 e 54-X-19; ABREU, António Graça de, D. Frei Alexandre de Gouveia, Bispo de Pequim, (Lisboa, 2004); GUIMARÃES, Ângela, Uma Relação Especial, Macau e as Relações Luso-Chinesas, (Lisboa, 1996); MÚRIAS, Manuel, Instrução para o Bispo de Pequim e outros documemos para a História de Macau, (Lisboa, 1943).

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Data de atualização: 2023/06/14