Este antigo residente de Macau, conhecido na literatura portuguesa como o prussiano Reverendo Carlos Gurzlaff, pastor protestante da Sociedade Missionária Holandesa, nasceu em 8 de Julho de 1803, em Pyritz, na província da Pomerânia, hoje situada no norte da Polónia, junto ao Báltico, e morreu a 9 de Agosto de 1851, em Hong Kong, prematuramente com 48 anos de idade ou 49 anos segundo o obituário do jornal Friend of China. Este europeu de expressão alemã gozou da reputação de grande sinólogo, contribuindo para tal a sua grande erudição e formação de base. Era médico e pastor evangelista. Apesar de ter introduzido a acção médica missionária na China, com onze anos de antecipação da Missão Médica de Edimburgo, a sua obra missionária é pouco referenciada. Em Macau, George Chinnery retratou-o a lápis, vestido de marinheiro Fuquinense, no regresso de uma grande viagem pela China Imperial, em 1832, pouco tempo depois da sua chegada a Macau. Eternizou-se como escritor público de assuntos chineses, escritor, ensaísta, jornalista, não se conhecendo infelizmente nenhuma biografia em português ou inglês, a que não será talvez alheio o facto de não ser um pastor britânico e ser considerado uma pessoa não grata pelas autoridades chinesas, que acusam o seu grupo de se ter infiltrado na China com objectivos de espionagem, ao serviço de Sua Majestade britânica, camuflados pela religião ou pelo exercício de Medicina. Foi considerado, conjuntamente com o britânico Robert Morrisson (m. 1834) e com o sueco Ander Ljungstedt (m. 1835), um dos três mais brilhantes sinólogos estrangeiros que residiram em Macau na primeira metade do século XIX, no seu período cosmopolita. Se estes dois primeiros sinólogos, são bem conhecidos dos historiadores portugueses e foram muito tributários dos sinólogos portugueses que os antecederam, Gutzlaff, mais novo, chegou a Macau 23 anos depois de Morrison. Representa a segunda geração de pensadores protestantes que apartaram Macau e se tornaram sinólogos. Em primeiro lugar, recorda-se o britânico Robert Morisson, que ficará sempre na história por ter sido o responsável pela tradução da Bíblia (Novo Testamento) para o Chinês, mas cuja obra é muito mais vasta; e em segundo lugar o sueco Anders Ljungsredt, pelas contribuições que deu ao desenvolvimento do comércio internacional na China, pela primeira história impressa de Macau e colaboração no Chinese Repository. Ambos jazem no Cemitério dos Protestantes em Macau e fizeram escola. Sucedeu-lhes uma segunda geração de estrangeiros, de que Gutzlaff é a figura mais eminente. Pode-se considerar o sinólogo mais notável desta geração que se radicou em Macau e que incluiu John Morrison, nascido em Macau e filho de Robert, falecido em 1843, com 29 anos, estando indigitado para Secretário Colonial de Hong Kong. Gurzlaff foi conjuntamente com John Morrison e o Dr. Colledge um dos três grandes animadores da publicação do Chinese Repository (Cantão 1832-1851), que em muito divulgou a cultura chinesa nos meios anglo-saxónicos. Gurzlaff foi dos intelectuais que melhor aproveitaram o trampolim de Macau, no seu processo de aquisição de conhecimentos sobre o Império Chinês, cujos segredos desvendou e deu a conhecer ao mundo do seu tempo, através da sua notável obra, sendo os seus principais livros publicados na Inglaterra e posteriormente na Alemanha. No Reino Unido tiveram um grande impacto, contribuindo para uma nova e mais objectiva percepção da China Imperial, nas vésperas da fundação de Hong Kong. De referir que na altura (1.a metade do século XIX) o próprio ensino de chinês a estrangeiros era considerado um crime contra o Estado, quanto mais terá sido a publicação de uma extensa monografia sobre a China, dando a conhecer a geografia, a economia, sistemas administrativos, recursos orçamentais, efectivos e despesas militares, etc. Acresce que as suas grandes viagens pela costa chinesa se efectuaram nos clippers, navios cuja principal carga distribuída nas costas chinesas era clandestinamente o ópio. Em poucos anos do Oriente ganhou uma enorme reputação e o seu conselho foi considerado indispensável pelas autoridades britânicas nas inúmeras negociações que na época foram travadas entre estas e as autoridades chinesas. Tendo integrado jovem a Sociedade Missionária Holandesa, veio para o Oriente com cerca de 24 anos e trabalhou em Java e na Tailândia, cerca de 3 anos, sendo que posteriormente, desembarcou em Macau em 1830, com o objectivo de alargar a acção da Sociedade Missionária de Londres, à acção médica missionária. Algumas fontes indicam por lapso que chegou a Macau 1834, mas esta data éinaceitável, porque ele publicou relatos de grandes viagens na China, datando a primeira de 1831. Na altura, a delegação da Missão para a China estava sediada em Macau, tendo sido fundada em 1807 por Robert Morrisson, que à data já completara a tradução do Novo Testamento, de uma gramática chinesa e um Dicionário Sino-Britânico. Estes trabalhos mobilizaram uma equipa de missionários, dando origem a uma nova escola ocidental de sinólogos. Apenas cerca de três anos depois do seu desembarque iniciou a publicação de diversas obras que o tornam o mais lido sinólogo ocidental da primeira metade do século XIX, das quais se destacam, logo em 1834, duas volumosas obras Journal of Three Voyages along the Coast of China in 1831, 1832 and 1833, e Sketch of Chinese History, Ancient and Modern. Não é claro se iniciara alguma aprendizagem do chinês antes da sua chegada a Macau, mas soube aprender rapidamente chinês, aproveitando muito do que os seus correligionários tinham escrito e tirando partido das suas grandes viagens na China Imperial. Presumivelmente, existem pelo menos na segunda obra co-autorias anónimas, que são naturalmente de missionários ou de comerciantes que com ele colaboraram no Chinese Repository. China Opened, publicado em Londres, em 1938, foi a sua consagração. Este último livro foi a sua melhor obra e a mais completa monografia até então publicada sobre a China, com um impacto adiante analisado. Para a feitura desta obra terá beneficiado deter desempenhado funções no secretariado chinês da Comissão Inglesa. Pertencendo ao grupo que defendiaa indissolubilidade da liberdade religiosa e da liberdade comercial, foi um claro apoiante da abertura da China ao exterior e das teses expansionistas dos principais comerciantes ingleses. Durante a Guerra do Ópio serviu as autoridades britânicas, e nas negociações do processo de paz o seu conhecimento da China e do seu povo foi considerado extremamente útil pelas autoridades britânicas. É fascinante a forma rápida como apreendeu chinês e soube tirar partido das suas viagens; a forma rápida como se tornou sinólogo e a notável obra que acumulou nos primeiros dezanos da sua estadia na Grande China, a qual, ao todo, durou apenas 21 anos. Para além dos livros acima mencionados, é-lhe atribuída colaboração na tradução ou eventualmente revisão da tradução de alguns livros da Bíblia, na fundação de um jornal chinês e na publicação de diversos livros em chinês com conhecimentos úteis. A sua importância deveu-se fundamentalmente ao impacto que as suas obras tiveram, a que não foi alheia a conjuntura, onde os partidários de uma intervenção armada na China Imperial foram ganhando um peso crescente, no período que mediou entre a fracassada missão diplomática de Lord Amhersr a Pequim em 1816-1817 e a eclosão da Guerra do Ópio em 1840. Após a fundação de Hong Kong, a sua acção centrou-se na missionação, tendo fundado, em 1844, um instituto para formação de missionários nativos, o que não impediu que publicasse Life of TaowKwang,em 1851, ano do seu falecimento. O seu enterro foi acompanhado pelo Governador de Hong Kong, Sir David Jardin, e pelas principais autoridades da colónia britânica, lamentando-se a sua perda e o seu falecimenro prematuro, com menos de 50 anos. Apesar do notável e conhecido trabalho de Robert Morrison como traduror da Companhia das Índias Orientais, e por ter acompanhado embaixadas britânicas, a obra de Carlos Gutzlaff foi a que maior impacto teve no relacionamento sino-britânico, sendo talvez menos citado porque, para além de prussiano, a sua presença no Oriente deveu-se à Sociedade Missionária Holandesa. - Obras. China Opened, 2 vols., 1838; Journal of Three Voyages along the Coast of China in 1831, 1832 and 1833, 1834; A Sketch of Chinese History, 2 vols., 1834. [C.L.G.P.]
Bibliografia: PINTO, Carlos Lipari Garcia, Macau Oitocentista e o Impacto da Fundação de Hong Kong, policopiada, (Macau,1994); RIDE, Lindsay; RIDE, May, An East India Company Cemetery Protestant Burials in Macao, (Hong Kong, 1998).

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Data de atualização: 2023/06/14